Nem
trem nem estação
*
Por José Calvino
O
sono me levou para a saudosa estação do Arrayal. Lembranças dos
comboios da Great Western, o meu pai ensinando telegrafia na estação.
“A Maria Fumaça arrotando faíscas de sua fornalha. A locomotiva
apitava ao passar antes dos cruzamentos, soltando fumaça em
desenhos, pela sua chaminé...” (O ferroviário, 1980).
Logo
depois da estação a estrada de ferro seguia pela Macaxeira e, pelas
matas dos macacos, para Camaragibe. Vi como o local mudou
daquela época para cá, os trilhos enferrujavam nos dormentes porque
por lá não passavam mais trens. A estação havia fechado para
construção de uma avenida. Era o progresso. Ficara só na lembrança
aquele movimento de trens de carga, tropa do Exército, manobras,
manutenção e limpeza de vagões e reabastecimento das
locos-escoteiras. Os meninos sentiam saudades das “morcegadas”
(pulos que davam para pegar o trem, troles ou nos limpa-trilhos das
locomotivas-escoteiras em movimento) e das viagens de trem da antiga
Floresta dos Leões (Carpina) para o Recife.
Bom,
sábado, 10 do corrente mês, me acordei com a visita do meu amigo
Azambujanra pela manhã, como sempre, em minha casa, contando que
“não temos que ficar calado”. Apesar do que já sofri,
considero-me recompensado porque estou cumprindo um dever profetizado
pelo meu querido pai, quando vivo. Fico revoltado com a falta da
preservação histórica com o patrimônio público. Já denunciei
sobre as antigas estações das estradas de ferro, a antiga Great
Western, sobretudo a de Casa Amarela, que tinha o nome de Arrayal. “É
de dar dó. A histórica e esquecida estação do Arrayal (que fora
chefiada pelo meu pai, Euclides de Andrade Lima), foi desativada em
1952. Encontra-se descaracterizada e sem tombamento. Retiraram o nome
Arrayal gravado na parede e em relevo. O prédio da estação hoje
serve de abrigo para uma família, quando deveria ser preservado. É
a nossa hitória”. ( Crônica sob o título “Antigas estações
esquecidas com o tempo”).
Mas,
agora cabe às autoridades constituídas tomarem as devidas
providências, que já deveriam ter sido feitas há anos passados!
-
Tem ido ver como está agora o prédio da estação? – perguntou
Azambujanra.
-
O ano passado passei por lá e notei a parte que era o armazém para
bagagens e os sanitários, demolida.
-
Estive lá e conferi isto que você está me dizendo. Sabe o que
existe agora na parte que era a sala telegráfica? Um “Super Bar do
Brega”. E quando falei que tenho um amigo escritor, e que na
maioria de seus livros o tema é sempre sobre ferrovia, sabe o que um
negão mecânico me disse sorrindo? - Eu tenho um livro que
cita todas estações ferroviárias, inclusive essa do
Arraial... – Foi entrecortado por Azambujanra:
-
Qual é o título do livro?
-
Dkuproar – respondeu rindo.
-
É francês o autor?- perguntou Azambujanra.
-
Subaimin, é africano – continuando rindo.
Azambujanra,
percebeu que ele o estava levando ao ridículo. Então,
resolveu levar na esportiva, até porque a princípio pensou que
o título do suposto livro era em francês. E achou por bem me contar
essa conversa, sobre a qual tinha certeza que eu iria escrever mais
uma crônica bem humorada. E, para encerrar aquela conversa, disse ao
homem:
-
Eu tenho também um livro cujo o tema é ferrovia e o autor se chama
Takuku Nakara. Ele escreveu sobre o assunto e o título do mesmo é
”Trem Bala”.
Bem,
fomos lá tirar algumas fotos que ilustram a referida crônica. No
domingo, subimos ao Morro da Conceição e bebemoramos mais uma vez a
nossa arte literária.
(1)Folha
de Pernambuco – 01/09/2004. Extraído do livro: “Trem Fantasma"-
p.49 - Ed. 2005.
*
Escritor e dramaturgo pernambucano.
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