terça-feira, 8 de maio de 2018

Nem trem nem estação - José Calvino de Andrade Lima


Nem trem nem estação


* Por José Calvino


O sono me levou para a saudosa estação do Arrayal. Lembranças dos comboios da Great Western, o meu pai ensinando telegrafia na estação. “A Maria Fumaça arrotando faíscas de sua fornalha. A locomotiva apitava ao passar antes dos cruzamentos, soltando fumaça em desenhos, pela sua chaminé...” (O ferroviário, 1980). 

Logo depois da estação a estrada de ferro seguia pela Macaxeira e, pelas matas dos macacos, para Camaragibe. Vi  como o local mudou daquela época para cá, os trilhos enferrujavam nos dormentes porque por lá não passavam mais trens. A estação havia fechado para construção de uma avenida. Era o progresso. Ficara só na lembrança aquele movimento de trens de carga, tropa do Exército, manobras, manutenção e limpeza de vagões e reabastecimento das locos-escoteiras. Os meninos sentiam saudades das “morcegadas” (pulos que davam para pegar o trem, troles ou nos limpa-trilhos das locomotivas-escoteiras em movimento) e das viagens de trem da antiga Floresta dos Leões (Carpina) para o Recife.

Bom, sábado, 10 do corrente mês, me acordei com a visita do meu amigo Azambujanra pela manhã, como sempre, em minha casa, contando que “não temos que ficar calado”. Apesar do que já sofri, considero-me recompensado porque estou cumprindo um dever profetizado pelo meu querido pai, quando vivo. Fico revoltado com a falta da preservação histórica com o patrimônio público. Já denunciei sobre as antigas estações das estradas de ferro, a antiga Great Western, sobretudo a de Casa Amarela, que tinha o nome de Arrayal. “É de dar dó. A histórica e esquecida estação do Arrayal (que fora chefiada pelo meu pai, Euclides de Andrade Lima), foi desativada em 1952. Encontra-se descaracterizada e sem tombamento. Retiraram o nome Arrayal gravado na parede e em relevo. O prédio da estação hoje serve de abrigo para uma família, quando deveria ser preservado. É a nossa hitória”. ( Crônica sob o título “Antigas estações esquecidas com o tempo”). 

Mas, agora cabe às autoridades constituídas tomarem as devidas providências, que já deveriam ter sido feitas há anos passados!
- Tem ido ver como está agora o prédio da estação? – perguntou Azambujanra.
- O ano passado passei por lá e notei a parte que era o armazém para bagagens e os sanitários, demolida.
- Estive lá e conferi isto que você está me dizendo. Sabe o que existe agora na parte que era a sala telegráfica? Um “Super Bar do Brega”. E quando falei que tenho um amigo escritor, e que na maioria de seus livros o tema é sempre sobre ferrovia, sabe o que um negão  mecânico me disse sorrindo? - Eu tenho um livro que cita todas  estações ferroviárias, inclusive essa do Arraial... – Foi entrecortado por  Azambujanra: 
- Qual é o título do livro?
-  Dkuproar – respondeu rindo.
-  É francês o autor?- perguntou Azambujanra.
-  Subaimin, é africano – continuando rindo.

Azambujanra, percebeu que ele o  estava levando ao ridículo. Então, resolveu levar na esportiva, até porque a princípio pensou  que o título do suposto livro era em francês. E achou por bem me contar essa conversa, sobre a qual tinha certeza que eu iria escrever mais uma crônica bem humorada. E, para encerrar aquela conversa, disse ao homem:
- Eu tenho também um livro cujo o tema é ferrovia e o autor se chama Takuku Nakara. Ele escreveu sobre o assunto e o título do mesmo é ”Trem Bala”.

Bem, fomos lá tirar algumas fotos que ilustram a referida crônica. No domingo, subimos ao Morro da Conceição e bebemoramos mais uma vez a nossa arte literária.


(1)Folha de Pernambuco – 01/09/2004. Extraído do livro: “Trem Fantasma"- p.49 - Ed. 2005.


* Escritor e dramaturgo pernambucano.

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