O
escracho cibernético, um método incontrolável de punitivismo
* Por
Luara Colpa
Os
escrachos virtuais têm ganhado muita força nas redes sociais. Há
uma sensação de “segurança” e impunidade que promove isso.
Sentimos que atrás de uma tela de computador ou celular estamos
salvos e, então, dizemos tudo o que pensamos sem raciocinar muito,
sobre política, sobre comportamentos…
O
mesmo ocorre em temas tão importantes como Feminismo e seus métodos
de denúncia.
Todos
sabemos que a Justiça brasileira é falha, elitista, racista e
machista. Usa-se então, a opção do escracho virtual para fazer o
que a Justiça formal não faz: punir agressores, estupradores,
assediadores. Método também importante. Potente e aglomerador.
Juntas
temos mais coragem pra denunciar. Além de ser uma resposta a uma
violência sofrida, o escracho é um método de autodefesa,
sobretudo!
Acontece
que não podemos prever as consequências de um escracho virtual, aí
que mora o problema. A maioria das vezes o seu impacto foge do que se
planejou e toma proporções imensuráveis.
Antes
de escrever aqui, ouví o
relato de uma amiga vítima,
que já escrachou um ex-namorado.
E ela pontuou algumas coisas interessantes:
E ela pontuou algumas coisas interessantes:
1-
FALTA DE CUIDADO COM A PRÓPRIA VÍTIMA: “A
vida da mulher é muito mais devassada que a do agressor”,
disse ela. Toda a sua privacidade é destruída. Não há sigilo ao
nome da vítima que dure muito tempo. Logo toda a cidade sabe quem é
a vítima, que sentirá a exposição excessiva. Os comentários
maldosos recairão sobre ela por tempo indeterminado trazendo ainda
mais sofrimento;
2-
NÃO HÁ REGRAS CLARAS: O banimento de homens de certos lugares e o
impedimento de se explicarem – direito básico de qualquer pessoa
num Estado Democrático de Direito – demonstra uma Medida de
Proteção ou uma Medida Punitivista? Queremos de fato segurança e
conforto para a mulher-vítima ou há mais sede de vingança pelo
agressor? Quem nos dá competência para destrinchar casos, inquirir,
processar e julgar?;
3-
O IMPACTO DEVASTADOR NA VIDA DAS MULHERES AO REDOR DO HOMEM: As mães,
as namoradas – as mesmas que sofrem com revistas vexatórias em
presídios e que são “condenadas” junto ao cara – entram em
depressão e vivem o profundo isolamento social.
E
ela arrematou: “A exposição não minimiza o sofrimento, ela
maximiza e dá poder sobre o assunto à quem não tem nada com isso”.
“Fazer
com que uma multidão sem rosto saiba do ocorrido não faz doer
menos. O que eu passei dói em mim até hoje. E dói porque as
pessoas se sentem no direito de ainda comentarem sobre isso, afinal
eu dei de bandeja ao público. E dói nele, mais do que deveria doer.
Dói muito e dói até hoje. Em momento nenhum, quando eu escolhi
denunciar, eu quis infligir um sofrimento eterno, que perdurasse
tantos anos depois do ocorrido.” (Em
relato público no Facebook)
Se
prevíssemos o fim da “pena”, talvez o escracho fosse eficiente,
mas ele não é. Sobretudo porque ele não estuda a materialidade de
nada, não investiga e o pior: pode virar uma pena
perpétua – para ambos. Pauta
que nos posicionamos exatamente contra!
A
blogueira feminista Camila
de Magalhães escreveu
em 2013:
“Parece-me
inadmissível que um movimento que tenha por base a defesa dos
direitos humanos inverta o quadro e passe a ser o violador desses
direitos humanos. Presunção de inocência não é conversa de
advogado e não é meramente assunto de ‘tribunal’. Direitos
fundamentais não funcionam apenas como proteção do indivíduo
contra o Estado, mas também, na mais elementar das noções
conhecidas sobre estes, funcionam também nas relações entre os
cidadãos.
Nessas
horas, grita lá no fundo para mim, sempre, a mesma expressão:
‘esquerda punitiva’. A ideia devia ser uma preocupação
constante dos movimentos sociais, que, construídos pelo oprimido,
conhecem a força do uso do sistema punitivo e das violações de
direitos humanos. Infelizmente, a realidade tem sido que a ideia, de
um guia, passou a ser essa armadilha constante em que caem os
movimentos.”
A
verdade é que estamos criando espaços insustentáveis de
mega-exposição de nossas vidas.
Ainda
não sabemos as consequências, mas creio que fomentar o descontrole
“a la Black
Mirror”
tem parecido no mínimo irresponsabilidade de uma geração que se
esconde por trás de uma tela e no meio de uma multidão. Uma
multidão que acredita que por mais que se exponha é – de fato –
invisível. E não é!
Botemos
a mão na consciência: Nós participamos de Hashtags e
depois vamos embora. E talvez isso seja um ato irresponsável.
Afinal, qual acompanhamento de fato oferecemos às vítimas após
abuso?
Justiçamento
com as próprias mãos nunca deu muito certo.
Pensar
em uma Justiça restaurativa, talvez seja uma solução, dentro e
fora da Justiça Comum. Propostas de mediação de conflitos com a
participação dos envolvidos, (mais advogados, psicólogos,
familiares etc), talvez seja um caminho de fato comprometido e menos
espetaculoso.
Sair
dessa ótica e construir espaços seguros, úteis e funcionais que –
de fato – abracem a vítima, talvez seja mais viável que a prática
do linchamento que está em voga.
Ligue
para a vítima hoje, ofereça-a um passeio, um lanche, serviços,
orientação jurídica, médica, psicológica, acolhimento, uma
vaquinha para custos que ela precise… uma amizade, e até a
denúncia. Mas pense em fazer isso primeiro, antes de alimentar a
própria hashtag do ódio – que convenhamos, fala mais sobre
punitivismo, que sobre solidariedade!
Ainda
há tempo!
*
Jornalista
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