domingo, 28 de maio de 2017

O que disseram as árvores do Palácio Jaburu


* Por José Ribamar Bessa Freire


- A transcrição dessa gravação é incongruente, a conexão de uma sentença a outra não faz o menor sentido, não tem qualquer lógica – declarou o presidente Michel Temer, flagrado com a boca na botija em conversa secreta e fora da agenda oficial com Joesley Batista no porão do Palácio Jaburu, altas horas da noite. Dessa forma, ele tentou desqualificar as provas que o incriminam. No entanto, o Taquiprati teve acesso a gravações de outra natureza, até hoje inéditas, de testemunhas que presenciaram tudo e confirmaram o crime. O furo espetacular foi dado pelo repórter de codinome Pão Molhado, sobrinho deste locutor que vos fala.

Tudo começou quando Wet Bread – é assim que nosso repórter assina suas matérias no New York Times, onde faz um bico - em viagem no barco recreio para Tabatinga (AM), leu as mais de duzentas páginas do livro “A Vida Secreta das Árvores” escrito pelo engenheiro florestal alemão, Peter Wohlleben, que durante muitos anos observou os bosques de Hümmel, na Alemanha, e descobriu, estarrecido, que as árvores são seres de vida social intensa, cuidam de seus filhos e dos doentes e trocam nutrientes, informações e até afagos entre si, através de uma rede subterrânea que ele chama de “wood wide web”.

O nosso repórter decidiu, então, observar a floresta amazônica lá no Alto Solimões, onde atua como correspondente do Taquiprati (tão bem remunerado quanto um professor da UERJ). Confirmou que lá também funciona a "internet das árvores", que permite a comunicação de vegetais através do contato entre as raízes interligadas por baixo da terra e por filamentos de fungos espalhados pelo solo. Os seres humanos, que se acham os únicos inteligentes do planeta, não perceberam ainda, por puro preconceito antropocêntrico, aquilo que Pão Molhado descobriu graças ao livro que lhe deu pistas para sistematizar suas próprias observações.

De posse de tal informação, o nosso repórter decidiu ouvir as árvores dos jardins do Palácio do Jaburu, projetado pelo paisagista Burle Marx, que lá plantou árvores típicas do cerrado, além de fruteiras e plantas ornamentais importadas de outras regiões do país. Pão Molhado se deslocou, então, para Brasília. Para enganar os seguranças, mergulhou no Lago Paranoá e entrou, nadando, pelos fundos do Jaburu, se infiltrando assim, ardilosamente, nos jardins da residência oficial.

Uma vez lá, com um potente gravador, ele raqueou a “wood wide web” local e. embora sem autorização judicial, gravou a conversa entre as árvores na calada da noite da sexta-feira (26/05). Elas falam diferentes línguas, todas em português (Saramago dixit). como é o caso da Vassoura de Bruxa que tem seis sementes em cada fruto. Seu nome em Caldas Novas (GO) é Folha da Serra.

Vassoura de Bruxa (ouratea hexasperma) – “Caraca, o tiozinho, dono do Palácio, tá ficando louco, se meteu numa parada sinistra. Ele é da galera do mal, é um golpista filho da (inaudível)... Daqui de onde estou, deu pra ouvir quase tudo. Ele falou num sei quê num sei que lá, mas a coisa sinistra é que ele arregou para o visitante. Fiquei boladona quando o tiozinho disse que ia mandar o malucão do Loures para pegar a bufunfa e comprar o silêncio do outro tiozinho que está preso. O moleque, otário, foi mesmo e agora está passando o maior perrengue. Sinistro, cara! Entendeu essa, Brasil? Fala seu lindo” – disse ela passando a palavra para outra árvore frondosa, troncuda e bela, com folhas avermelhadas, conhecida como “o gigante da floresta”.

Jequitibá (cariniana rubra)  “Dizem que sou madeira de dar em doido, porque não me deixo corromper, meu tronco nunca apodrece, como os corruptos, tanto os sabidinhos como os burros, quando chegam ao poder. O que vi e ouvi aqui do jardim do Jaburu mostra que nem as prisões de Sérgio Cabral, do Cunha e de outros bandidos inibiram os assaltantes do Erário. Continuam roubando…

Falso barbatimão (Dimorphandra mollis) exibiu sua casca grossa e suas flores pequenas e amarelas, cujas sementes, embora tóxicas para o gado bovino, são ingeridas por ratazanas. Interrompeu o Jequitibá:  -  Hellooo-ou! A coisa está mudando. O Temer já declarou que “o país não vai parar".

Cagaiteira (Stenocalyx dysentericus) - E não parou mesmo – destacou a árvore pequena e florida. A prova é que o Diário Oficial da União, no meio de todo tiroteio, acaba de publicar a nomeação de Leandra Barbosa dos Santos Brito, como assessora técnica do Gabinete de Temer, com salário de R$s 5,1 mil, fora as diárias com viagens. Ela é a babá do Michelzinho, Ou seja, nós, contribuintes, estamos pagando os cuidados com o menino, que desde pequeno já é iniciado em tais hábitos. Paga-lo-emos? De cagada entendo eu”.

Foi aí que uma árvore baixinha, de frutos roxos parecidos ao marmelo, se meteu na conversa:

Marmelada de bola (Alberta Edulis) – “Epa! Contratação da babá como assessora? É comigo mesmo. O cara já provou que leva jeito. Tá envolvido em tudo que é maracutaia. Isso é formação de quadrilha. A gente via que o Joesley e o irmão dele vieram muitas vezes aqui. Eram recebidos com abraços e todas as pompas. Quem tem as fichas deles é o Pau de Sebo, que está mais perto da garagem-esconderijo, não é mesmo, meu amigo?

Ucuuba ou Pau de Sebo (virola sebifera) – (só fez mexer as folhas e flores alaranjadas, mas permaneceu mudo como o usufrutuário Eduardo Cunha).

Cedro (Cedrela fissilis – falando do alto dos seus 30 metros) –Não sejam ingênuas, crianças. Será que vocês não veem que compraram o silêncio do sebento, que recebe mimos através do jardineiro para ficar calado? Ele foi filiado ao DEM e agora ao PMDB do B. Se abrir a boca é para repetir o que Temer disse: que as conexões entre sentenças são incoerentes.

Foi aí que outra árvore de dez metros, transplantada do campus da Universidade Federal de Pernambuco, liquidou o assunto. Ela costumava abrigar sob sua copa as aulas de linguística ao ar livre do saudoso professor Luiz Antonio Marcuschi (1946-2016). Por isso, gravou no seu tronco a homenagem que lhe fez Marcos Bagno em seu livro: “Para Marcuschi, que me ensinou muito do que vou aprender”.

Jaboticabeira (Myrciaria trucinflora) -  O que é que o Brasil vai aprender? Temer, com seu dedo de proctologista girando como um cata-vento, questiona a lógica da conversa gravada. Acontece que a conversação é uma prática social em que os elementos linguísticos constituem apenas uma parte do significado. É preciso ver os elementos paralinguísticos, os lugares de fala dos interlocutores, a relação de cumplicidade entre eles, os gestos, o contexto e outros pressupostos que não aparecem nas falas e que não podem ser recolhidos numa transcrição literal. Claro que o papo do Temer com Joesley tem uma lógica, que não é a lógica de um texto formal do registro escrito. Os diálogos são apenas a ponta de um iceberg, que só ganham sentido dentro do contexto comprometedor que eles querem deletar. O mais temido dos pressupostos está nos documentos apreendidos pela Lava Jato. Isso é que dá sentido a esse diálogo realizado no espaço de um porão…

O discurso acadêmico da Jaboticabeira foi interrompido por uma árvore baixinha de tronco torto:

Murici do Cerrado (Byrsonima verbacifolia) – Temer não negou que a fala gravada seja sua, embora não tenha usado nenhuma mesóclise, nem a coleção de palavrões do seu cúmplice Aécio Neves - coisas do registro oral. No entanto, tentou dar outra versão. Segundo ele, a transcrição do que disse a Joesley quando foi informado da mesada semanal para comprar o silêncio de Cunha - "Mantenha, isso, viu" - está errada e muda completamente o sentido. A transcrição correta é? “Mantenha isso, vil”. Portanto, ao chamar seu interlocutor de vil, de vilão, estava condenando o pagamento. "Enfatizei duas vezes o "vil" - disse Temer na televisão. De qualquer forma, como bandido entrega bandido, podem anotar:  os cúmplices do Temer – Aécio e Loures - vão dedurar o presidente para salvar a pele, porque em tempo de murici cada qual cuida de si.

Referência bibliográfica: Peter Wohlleben: A vida secreta das árvores. Rio. Editora Sextante 2016 (224 pgs)

P.S. – Embora o STF ainda não considere como provas as conversas entre árvores, Pão Molhado, o Wet Bread, com esse furo, é forte candidato ao Prêmio Pulitzer de Jornalismo. Ele fotografou cada uma das árvores, para não ser chamado de mentiroso. A foto do Palácio do Jaburu é da Agência Brasil, mas quem mergulhou o Pão Molhado no lago foi o Amaro Jr. 



* Jornalista e historiador.

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