sexta-feira, 19 de maio de 2017

Luta pela identidade


Os tempos atuais, em que os recursos para se obter informações, praticamente de todos os campos da atividade humana, abundam, estabelecem um estranho e contundente paradoxo: nunca, na história da humanidade, houve tantas pessoas alienadas, sem consciência sequer de si mesmas, como agora.

Um dos problemas que mais afligem os antropólogos, por exemplo, é o que se refere à individualidade. É possível que ela seja estabelecida e delimitada, numa época em que há tanta gente no mundo (7,6 bilhões de habitantes) e que se está sob tanta influência externa, ditada pelos veículos de comunicação em massa? Em tese, a resposta é sim. Na prática, porém…

Não somos livres, como às vezes pensamos. Temos que prestar contas a alguém desde o nascimento, até a morte: aos pais, aos irmãos, aos professores, aos cônjuges, aos filhos, aos chefes, à justiça, à sociedade, ao país e vai por aí afora. Pensamos o que nos induzem a pensar e fazemos o que nos coagem a fazer, através de artifícios como moral, costumes, tradições, leis etc.

O homem, no atual estágio de desenvolvimento, a despeito dos avanços científicos e tecnológicos que obteve, em termos de consciência, ainda é aquele mesmo ser selvagem e rude que habitava as cavernas primitivas, com a mente cheia de fantasias, terrores e mitos e, notadamente, de superstições. O processo de evolução está, ainda, em pleno andamento e em seu estágio inicial. Leva milhares, senão milhões de anos, para que mudanças físicas, psicológicas ou comportamentais sejam perceptíveis. E a espécie, em termos de comparação com o universo e com este planetazinho do Sistema Solar, é recém-nascida, com alguns parcos milênios de existência.

Para que desenvolva o “eu”, o homem precisa ser educado a reconhecer que sequer sobreviverá se não compreender e não aceitar o “tu”. Trata-se de longo e penoso processo de educação, que ainda sequer começou e que, ademais, não oferece nenhuma garantia de sucesso. O homem, por enquanto, nem mesmo aprendeu, ainda, a dominar seus instintos de fera (como o impulso sexual, por exemplo, do qual se utiliza de forma irresponsável e cuja conseqüência imediata é a indesejável superpopulação) colocando-os sob a rígida administração da razão.

Não se conscientizou, sequer, do que os animais irracionais já praticam, instintivamente, desde o surgimento da vida na Terra. Ou seja, a preservação do seu espaço vital, se multiplicando de forma muito mais racional do que o suposto Homo Sapiens. O homem não se deu conta que é impossível transgredir quaisquer leis da natureza sem que haja um futuro castigo, inexorável e inevitável, por essa transgressão.

Em termos de mentalidade, o ser humano, enquanto espécie, não evoluiu praticamente nada em relação ao ancestral das cavernas, embora, individualmente, alguns indivíduos beirem a compreensão do óbvio. A esmagadora maioria dos 7,6 bilhões de pessoas, porém, permanece doce e ilusoriamente alienada, a despeito, reitero, dos sofisticados meios de informação existentes.

Há os que buscam estabelecer a identidade mediante a aparência: na indumentária que usam, no corte de cabelo, na barba (deixando-a comprida ou raspando-a), tatuando o corpo etc. Não tarda, porém, para que tudo isso vire moda e se massifique. E lá se vai a tal da identidade física para o espaço. Isso, quando a pessoa que se julga original, por esse comportamento, não imita, até inconscientemente, alguém (o que é mais provável), um cantor de rock, um ator de cinema ou um astro do esporte, sem que se dê conta.

E aqui surge outro paradoxo: não há, no mundo todo (e, provavelmente nunca houve), dois seres humanos rigorosamente iguais no aspecto morfológico. Há, é certo, semelhanças. Igualdade? Jamais! Ela não existe nem entre gêmeos univitelinos, aparentemente “cópias” um do outro.

A natureza, portanto, se encarrega de estabelecer a identidade, pelo menos no que se refere à “aparência” exterior. No comportamento, nas ideias e nas ações, porém... Tudo se mistura, se padroniza e se massifica. E nunca se sabe quem copia quem e porque.

Não raro sou tentado a achar que as ideias que trago a debate, neste espaço, por exemplo, são exclusivamente minhas e absolutamente originais. Rigorosamente, não são. Colhi-as, aqui, ali e acolá, em leituras, conversas, no rádio, na TV, no cinema ou sabe-se lá de que forma, sem que me desse conta.

Dei-lhes, é verdade, algumas “espanadas” para tirar o pó do tempo. Passei-lhes uma camada superficial de “verniz” da minha personalidade. Mas nunca poderei me apropriar delas e afirmar que são minhas, saídas do nada, como num passe de mágica. A rigor, ninguém pode. Ademais, é provável que alguém, no Burundi, no Cazaquistão, nas Ilhas Salomão ou em qualquer recanto remoto e ignorado do Planeta, pense, exatamente, a mesmíssima coisa que eu e que também se julgue “original”. E, claro, igualmente não é.

Boa leitura!



O Editor.


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Um comentário:

  1. Somos cópias até de nós mesmos de outras épocas, e sim, vamos copiando as nossas e as ações/palavras de outros, colocando ou retirando tempero.

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