quarta-feira, 24 de maio de 2017

Liberta em pedra


* Por Natércia Freire


Livre, liberta em pedra. 
Até onde couber 
tudo o que é dor maior, 
por dentro da harmonia jacente, 
aguda, fria, atroz, 
de cada dia. 

Não importam feições, 
curvas de seios e ancas, 
pés erectos à luz 
e brancas, brancas, brancas, 
as mãos. 

Importa a liberdade 
de não ceder à vida, 
um segundo sequer. 

Ser de pedra por fora 
e só por dentro ser. 
- Falavas? Não ouvi. 
- Beijavas? Não senti. 
Morreram? Ah! Morri, morri, morri! 

Livre, liberta em pedra, 
voltada para a luz 
e para o mar azul 
e para o mar revolto... 
E fugir pela noite, 
sem corpo, nem dinheiro, 
para ler os meus santos 
e os meus aventureiros, 
(para ser dos meus santos, 
dos meus aventureiros), 
filósofos e nautas, 
de tantos nevoeiros. 

Entre o peso das salas, 
da música concreta, 
de espantalhos de deuses, 
que fará o Poeta? 


in 'Liberta em Pedra' 



* Poetisa portuguesa

Nenhum comentário:

Postar um comentário