A
automedicação na prática
* Por
Mara Narciso
A
prescrição de medicamentos é ato exclusivo do médico e dentista
que são obrigados a fazê-lo de forma legível e sem rasuras.
Automedicar-se, isto é, sem receita médica é rotina corriqueira
dos brasileiros, sendo comum se ter uma farmacinha no banheiro (o
pior lugar para isso). No tempo em que “remédio não vencia”, os
armários tinham medicamentos para dor, febre, diarreia, má
digestão, colírio, gotas para nariz, linimento, mercúrio cromo e
Mertiolate. Não havia regulamentação da propaganda de remédios e
o rádio, em sinal de progresso, subentendendo-se que “povo
medicado é povo adiantado”, explicava as vantagens das Pílulas de
Lussen (vias urinárias), Regulador Xavier (menstruação: Número
um, excesso, Número dois escassez) e Vick Vaporub.
Chegaram
as regulamentações, lotes, prazos de validade, bulas detalhadas com
indicações, contraindicações, modo de ação, dose, interação
medicamentosa (remédios que não combinam entre si) e os efeitos
colaterais, citados mesmo quando ocorre um em um milhão, entre eles
podem-se ler “morte súbita”. Ainda assim, o exagero é marcante.
Há médicos que mandam ler a bula, outros proíbem a leitura. Tem
cliente que desiste do remédio e outros ignoram os riscos. Muitos
estão doentes e sem diagnóstico, enquanto outros tomam remédios de
forma errada ou sem necessidade/eficácia.
O
mercado de medicamentos movimenta bilhões, sendo que um novo
medicamento demora anos para ser comercializado. A patente é
quebrada após 20 anos, quando o genérico pode ser produzido, e
durante este período o laboratório cobra o que quer, enquanto cria
planos de desconto. Cobrando menos não tem prejuízo, então, por
que não generalizar o menor preço?
Correm
na internet informações de que o lucro abusivo e a ganância dos
Laboratórios Farmacêuticos impedem a divulgação de formas
alternativas de tratar e curar. Muitas dessas conversas são
falácias, deixando o doente inseguro.
A
TV e a internet trazem excessivas informações sobre doenças,
exames e medicamentos, mas elas também espalham opiniões como se
fossem estudos científicos. Dentro da Medicina há correntes
divergentes, enquanto grupos de consenso buscam uma conduta comum.
Nessa guerra, acuado, o médico pode perder, algumas vezes agarrado
às suas próprias crenças. O cliente mais estudioso acaba levando o
profissional às cordas e lhe dando bordoadas, o que o obriga a se
atualizar. Por outro lado, notícias mal escolhidas e em profusão
podem gerar pânico.
Além
das falsas verdades e apavoramento, o prato cheio é o tratamento da
obesidade. A toda hora surge notícia de droga milagrosa, para a
pessoa emagrecer sem fome, ginástica, esforço ou sacrifício.
Comercializadas no exterior via internet e pelos riscos, proibidas
pela Anvisa, são mais caras por ser sem receita. Muitos embarcam
nessa aventura, depois a medicina tradicional tenta reverter as
complicações. No ramo de rejuvenescimento a lista de milagres não
tem fim. Em relação aos remédios para outras finalidades, muitos
têm uma sugestão de amigo ou parente, sem contar com as mudanças
que balconistas de farmácia fazem.
Outro
desastre são os remédios controlados, especialmente os viciadores
de tarja preta. A ação deletéria do Clonazepam – Rivotril®,
anticonvulsivante não danoso por si, mas sim pelo mau uso, tem ação
ansiolítica, relaxante e no sono, merecendo destaque pelo baixo
preço, quantidade de viciados e manutenção da dependência por
médicos não psiquiatras. Acontece também a tolerância, com
necessidade de doses cada vez maiores. Em poucas semanas, a dose
padrão, que é de cinco gotas, leva ao vício e a retirada rápida
causa crises de abstinência.
Pessoas
idosas estão tomando 20/30 gotas de Clonazepam há 20/30 anos, e
mostram perda parcial da inteligência, raciocínio e capacidade de
memorização. Mesmo diante da recusa do médico que não fez a 1ª
receita, alguns dependentes exigem uma nova prescrição em talonário
azul. Tenta-se reduzir esse abuso, mas, como “são apenas algumas
gotinhas” a orgia continua.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
De todas as ameaças elencadas no texto, acredito que o Dr. Google é a mais perigosa delas... O negócio é cassar o CRM dele! Abraços, Mara.
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