segunda-feira, 22 de maio de 2017

É dia de pescaria


* Por Samuel Estevam Reuse



(Eu adoro pescar) – Com a profusão dos estabelecimentos “pesque e pague”, a arte da pescaria voltou a fazer parte dos fins de semana das famílias brasileiras. Digo famílias porque, normalmente, esses locais oferecem uma completa infra-estrutura para que alguns pescadores levem consigo na aventura os filhos manhosos, esposa paranóica, avô reumático, tia pelancuda, sogra e outros animais de estimação. Bem diferente da pescaria tradicional, aquela na qual meia dúzia de homens largava as mulheres, juntava uma garrafa da cachaça “para esquentar”, enchia um isopor com cerveja, pegava duas barracas, as traias e se mandava passar uns dias à beira de um rio qualquer. Coisa do passado.

No pesque e pague, tudo fica mais fácil. Até pescar. O que deu oportunidade a amadores como eu fazer parte desse fascinante mundo. Bom, eu e uma série de cidadãos, digamos, particulares, a saber:

O fofoqueiro Gordinho, com uma cerveja na mão, fica o dia inteiro circulando, habitualmente seguido por seu cachorro, e largando aos pescadores frases do tipo “aquele tanque da frente está dando mais peixe”, “o carinha ali tá pegando tudo”, “com essa isca você não vai pescar nada”, “vai para o outro lado que é certeza...”. Pescar, que é bom, nem pensar.

O farofeiro Cidadão que utiliza a estrutura do pesque e pague para confraternizar com a família. Fácil de reconhecer, pois chega com uma Belina velha (ou similar) entupida de gente. Munidos de uma churrasqueira portátil, radinho de pilha, bebidas dos mais variados tipos (incluindo aí a gasosa de Gengibirra), churrasco de igreja, frango e, claro, muita farofa, logo estendem um lençol no gramado e começam a falar alto. Para disfarçar, sempre algum integrante do “cast” pega uma varinha e tenta pescar, algumas vezes, pasmem, sendo bem-sucedido – o que pode desencadear uma reação em família, animando todos a fazer o mesmo e estabelecendo o caos no local.

O metido a profissionalAcha que é pescador. Adentra ao pesque e pague lotado de equipamentos e você logo pensa: “O cabra é bom!”. Só fachada. Nem escolher o anzol e a isca certa o cidadão consegue. Esse é aquele que protagoniza cenas como enrolar toda sua linha no poste de iluminação ao tentar um arremesso, deixar três anzóis enroscados na árvore em menos de uma hora, misturar sua linha com a do(s) vizinho(s), ter que subir no pé de laranja para resgatar seu último anzol, pegar um “peixe-galho” do fundo do tanque e fazer o maior alarde, achando que é um Pacu, e berrando para quem quiser ouvir: “olha como briga, esse é dos grandes...”. No fim das contas, nunca pesca nada e volta para o seio do seu lar frustrado.

O metódicoEsse sim é profissional. Até parece professor. Normalmente é um japonês. Antes de iniciar a pescaria, percorre toda a área, mede a velocidade do vento, a temperatura da água... e escolhe com cuidado cirúrgico seu equipamento. Irrita-se com qualquer barulho e tem dificuldades para interagir com os farofeiros e os fofoqueiros. Desdenha do metido a profissional com um simples balançar de cabeça. E coitado de quem pegar um peixe antes dele, pois vai virar alvo de estudo: “que isca foi usada?”, “qual a profundidade da bóia?”, “onde você arremessou?”. Mesmo com os eventuais azares, sempre termina o dia com um monte de peixes para levar para casa e sob o olhar invejoso dos mais incautos. O fofoqueiro, a esta altura, solta um “levou sorte!”.

Ah, sim, também tem o pescador de verdade, aquele tradicional, que convencido por familiares e amigos aderiu, com desgosto e para não ficar sozinho, à moda do pesque e pague. Com chapéu de palha na cabeça, varinha de bambu na mão e quatro ou cinco peixes no samburá, certamente ele olha todo o movimento típico desses estabelecimentos e pensa que, talvez, seja melhor voltar para o rio. Antes só do que mal acompanhado.



(*) Jornalista, editor-chefe do Jornal MotorBR e do site Automobiles (www.automobiles.com.br).



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