Saudade
dos milhões *
** Por
Marcelo Sguassábia
Se
há uma coisa que não falta para este humilde fardado da Guarda
Municipal é experiência. Sou macaco velho, dos idos da
radiopatrulha de fusquinha. Já sonhava em trabalhar na polícia
desde o tempo em que a minha única munição era bala Chita. Isso lá
no Belenzinho, meados dos anos 50. Minha coleção de revólveres de
espoleta era famosa em todo o quarteirão. Me desfiz dela aos
prantos, ao receber uma proposta irrecusável de
um governador do Acre para equipar os coldres daqueles
guardas-manequins-fakes vestidos com uniforme policial, que ficavam
nas vias expressas e próximos aos camelódromos de Rio Branco.
Lembro
como se fosse hoje da Operação Propi-Corn, uma das primeiras de que
participei. Os milhões eram escondidos disfarçados de inocentes
piruás no fundo de saquinhos de pipoca, servidos sem mãos a medir
nas festas juninas da Granja do Torto. Gatunagem da grossa. Chegamos
com os cães farejadores e os meliantes engravatados, alguns deles
com ridículos bigodes de carvão e remendos nos ternos Armani, foram
pegos de surpresa com a propina ainda quentinha, saindo da panela.
Dois ou três ainda tentaram, sem sucesso, se evadir subindo pelo pau
de sebo. Mas recuperamos os milhões. Não digo tudo, mas a maior
parte, já que um terço das espigas acabou virando curau e pamonha
naquele malfadado São João brasiliense.
Depois
foi a vez de desmantelarmos uma organização criminosa que fabricava
e distribuía bafômetros com selos falsos do Inmetro. A ideia dos
bandidos era fornecer bafômetros descalibrados para menos, no
intuito de aprovar no teste tudo quanto era bêbado, mesmo aqueles
beirando o coma alcoólico. A engrenagem da quadrilha era toda
financiada por grandes marcas de bebidas destiladas e fermentadas.
Com todo mundo passando no teste, a confiança dos cachaceiros nos
bafômetros complacentes aumentava – junto com o consumo,
naturalmente.
A
repercussão foi enorme no dia em que fizemos o flagrante. Deu até
Jornal Nacional. Todos do nosso grupo foram entrevistados, e dias
depois fomos condecorados com medalhas de bravura. Fechamos uma
churrascaria na Marginal pra comemorar, bebemos além da conta e,
ironia dos ironias, fomos pegos numa blitz de bafômetro. Em fila
indiana e trançando as pernas para passar pelo aparelho, nenhum de
nós estava em condições de explicar ao pessoal da Patrulha
Rodoviária que éramos guardas também, o que poderia nos dar a
prerrogativa de escapar do exame. A sorte é que os bafômetros eram
do lote falsificado e fomos embora felizes e ziguezagueando, tirando
fina de pedestres, ônibus, postes e muretas de concreto.
É,
meu querido. Bons e bucólicos tempos, em que perseguíamos
quadrilhas que mexiam com milhões. Pobres e minguados milhõezinhos.
Dinheiro de pinga, se comparado aos bilhões de hoje. E pinga tão
fraquinha que bafômetro nenhum pegava.
*Esta
é uma obra de ficção.
** Marcelo Sguassábia
é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Esta obra é verdade verdadeira, e ponto final!
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