Jornalismo e
paixão
O jornalismo, para aqueles que têm
absoluta certeza de que são dotados dessa vocação é, acima de tudo, um
sacerdócio. Portanto, é muito mais do que mera profissão, do que apenas uma
fonte de recursos materiais para o seu sustento e o da família. É fruto do
talento. É missão de vida. Deve ser sempre exercido com absoluta
responsabilidade, máxima competência, garra, e, sobretudo, paixão.
O jornalista – quer seja veterano, quer
esteja em vias de assumir seu primeiro posto na carreira – precisa, a todo e
qualquer instante, ter em mente as necessidades e desejos do alvo do seu
trabalho: o destinatário das notícias que colhe e transmite, no caso o leitor
(quando a mídia em que se atua é jornal ou revista), o ouvinte ou o
telespectador. O público é o seu verdadeiro "patrão", não aquele que
o emprega. É com ele que o profissional do jornalismo assume um implícito e
sagrado compromisso de honra.
O ensaísta Ernest Renan afirma que
"o sinal da verdadeira vocação é a impossibilidade de desertar dela".
E essa "fuga" é impossível mesmo. O jornalista vocacionado não
consegue escapar do seu destino. Mesmo quando afastado, por qualquer razão, da
atividade, age como se estivesse nessa missão. Organiza arquivos, cultiva
fontes, lê todos os jornais e revistas que lhe caem nas mãos, aperfeiçoa o uso
da linguagem para tornar seu texto sempre correto, simples, claro, limpo e
acessível a todo o tipo de leitor e se mantém informado sobre o que se passa na
sua cidade, no seu Estado, no seu país e no mundo. O jornalismo está no seu sangue! Gosta dele!
Não é um trabalho, mas algo prazeroso e
bom.
Quem tem paixão pela profissão, (e os
jornalistas a que me refiro têm), está ciente do que é indispensável para o seu
exercício de maneira construtiva e sadia. A verdade, por exemplo, tem que ser
colocada em um pedestal, acima de todo e qualquer interesse, e ser buscada com
persistência, com coragem e até de forma obsessiva, em toda e qualquer ocasião.
Mas é preciso, antes de tudo, que o jornalismo seja exercido com ética.
O jornalista tem que ter em mente que
os personagens das histórias que traz a público – trágicas ou cômicas,
coletivas ou individuais, envolvendo ora atos sublimes e nobres, ora crimes
escabrosos e hediondos (estes, infelizmente, em maior quantidade) – não são
imaginários, como os criados pelos escritores de ficção: romancistas,
novelistas ou roteiristas de cinema. Envolvem seres reais, de carne, osso,
sangue e vísceras, com reações e emoções contraditórias, com sonhos, recalques,
desvios, alegrias e decepções. Tem que se conscientizar que está lidando com
"pessoas", não com sombras ou
conceitos.
Deve ter em mente que a
"matéria-prima" do seu trabalho é o ser humano, com suas
deficiências, virtudes, taras, grandezas, interesses e mesquinharias. Não pode nunca se esquecer de que, a mais
leve insinuação, por mínima que seja, sobre desvios de conduta de alguém, sua
moral ou sua forma de pensar, trará
conseqüências, muitas vezes irreversíveis, para esse indivíduo. Pode
destruí-lo. Daí a necessidade do profissional de jornalismo (repórter, editor,
comentarista, etc.) ser justo, imparcial e honesto no que faz.
Não precisa, (e nem deve), "carregar nas tintas"
para obter efeitos e assim conseguir manchetes que impressionem e atraiam os leitores
(ou ouvintes ou telespectadores). E nem dissimular os grandes dramas que se
desenrolam no cotidiano, temendo chocar o público-alvo. O jornalismo é (ou deve
ser) um espelho em que a sociedade se mire. Se a imagem que reflete é feia, não
é sua culpa. A realidade é que muitas vezes é escabrosa e aterrorizante. Ou, em
raras ocasiões, sublime e surpreendente.
O ingrediente básico para um jornalista
obter a plena realização profissional, no entanto, é a paixão. É a absoluta
convicção de estar fazendo o que gosta e o que melhor sabe. É sempre agir no
sentido do permanente aperfeiçoamento, estudando, treinando, desenvolvendo
técnicas, apurando a linguagem e se informando obsessivamente, sem cessar, não
se deixando levar por uma estúpida e enganadora auto-suficiência, pensando que
tudo sabe. É jamais achar que não tem mais nada para aprender. É ser humilde,
determinado, corajoso e justo. É trabalhar, trabalhar e trabalhar, sem nunca
esperar resultados de qualquer espécie (principalmente materiais), apenas por
amor àquilo que faz.
A esse propósito, Machado de Assis
observou, na crônica "O Espelho", publicada na "Gazeta de
Notícias" do Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 1859: "Fazer do
talento uma máquina, e uma máquina de obra grosseira, movida pelas probabilidades
financeiras do resultado, é perder a dignidade do talento e o pudor da
consciência".
Exercer o jornalismo com paixão implica
em disponibilidade, entusiasmo, desprendimento pessoal e garra. É colocar o
interesse público acima de qualquer coisa. É nunca esperar nenhum tipo de
vantagem do exercício dessa perigosa profissão (dezenas de jornalistas são
assassinados, anualmente, no mundo todo, a mando de poderosos que se julgam
prejudicados pelo seu trabalho), nem financeiro e nem de prestígio pessoal. É
fazer as coisas porque elas precisam ser feitas. É estar disposto, se necessário, a sacrificar
descanso, lazer, família, amizades, posição social e, em alguns casos, até a vida (“remember”
Tim Lopes), no exercício dessa sagrada missão.
Não se interprete, portanto, o termo
"paixão" no sentido negativo que os dicionaristas também lhe atribuem. Ou seja, o do sectarismo
exacerbado, que leve a pessoa a se aferrar, cegamente, a determinada ideologia
ou crença, seja de que natureza for, e ficar tão obcecada, a ponto de perder o
senso crítico e a noção básica e elementar do certo e do errado, ou que a faça
distorcer, posto que inconscientemente, os fatos com os quais trabalha.
Parodiando o pensador Jaime Balmés, o
jornalista apaixonado pelo que faz, e verdadeiramente vocacionado, é aquele que
tem "cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro". Possui
frieza no julgamento, paixão na concepção das matérias e força e audácia na sua
concretização. É dotado de um amor ardente, irrestrito e incontido pelo que
faz. Tem o mais vivo entusiasmo pela profissão, sequer encarando-a como tal,
mas como missão de vida, como realização pessoal, como sacerdócio.
A ação – fundamentada na disciplina, no
conhecimento de causa e na perseverança – é o maior, senão o único antídoto
contra as crises que assolam pessoas ou povos. Só se caminha para a frente
quando há disposição e coragem e quando se persiste na persistência. É mais
fácil, embora improdutivo, cruzar os braços diante das dificuldades e
limitar-se a criticar ou a lamentar.
Difícil, posto que necessário, é
acreditar, é construir, é manter, é curar, é ensinar, é alegrar, é conservar, é
transmitir e é sobretudo agir. "Só é útil o conhecimento que nos faz
melhores", teria dito Sócrates, de acordo com o testemunho de seu
discípulo Platão. Esta é a filosofia que norteia o jornalista que acredita no
que faz.
É trazer ao público o "outro
lado" da realidade, que por incompreensível distorção de alguns meios de
comunicação, é quase sempre relegado ao esquecimento ou a um plano secundário.
Ou seja, o dos que constróem, que sustentam, que criam, que curam, que ensinam
e que mantêm o mundo funcionando dentro da normalidade. Muitos editores
garantem que notícias positivas não vendem jornais e revistas. Estão errados!
São derrotistas! São sensacionalistas! Fazem o antijornalismo! A realidade tem
múltiplas faces. Enfatizar para o público apenas um desses lados, o negativo e
escabroso, é também uma forma de alienação. É desonestidade profissional. É
desinformação!
O jornalista honesto e apaixonado pela
profissão, ao mesmo tempo em que retrata as distorções e aberrações do convívio
social, focaliza a ação e a motivação, por exemplo, do médico, do gari, do
professor, do caminhoneiro, do comerciante, do jardineiro, do pesquisador, do
feirante, do ator, do operário, do engenheiro, do músico, do próprio
jornalista, da enfermeira, do físico nuclear, do pedreiro, etc. Enfatiza a
atuação daqueles profissionais (não importa o status de que gozem), cuja
presença quase nunca é notada, tamanha a assiduidade da sua ação, mas sem os
quais a vida se tornaria difícil, senão impossível. É isento, justo, correto,
preciso e determinado. Exerce, sobretudo, "o jornalismo que crê".
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Didáticas e imprescindíveis opiniões.
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