quarta-feira, 19 de abril de 2017

Almoço de Páscoa


* Por Mara Narciso
 

Meus amigos sabem que sou agnóstica e meu filho cético, desde que descobriu que se revelar ateu feria meio mundo. Então, chegada a Semana Santa, repassei alguns vídeos sobre o Espírito da Páscoa, incluindo o renascer, a mudança, o ser melhor, se envolver, ser grato, solidário e aquela lista de virtudes pouco praticadas. Soube que a Páscoa também representa a oportunidade de vida eterna, pois Jesus ressuscitado eterniza seus fieis.
 
Sincera, verdadeira e avessa ao fingimento, causei estranheza. Sou uma agnóstica cristã, não para fazer média com quem quer que seja. Amo ao próximo, respeitando-o, não para ser boazinha, seguir preceitos, barganhar ou ser perdoada. Sigo isso naturalmente, por princípios inatos, e sem pretensão de convencer ninguém. Também não adotei famílias. Minha bondade é restrita. Visito, apoio, promovo ações, e só. E por egoísmo, pois busco me sentir bem com isso. Apenas eu e quem recebe sabem.
 
Que cada um escolha o seu caminho. Não aceito pregações. Em criança a gente aprende o certo e o errado naquele seio familiar. E que não se faça malabarismos para pregar uma coisa e fazer outra, barganhando com Deus, fingindo seguir sem cumprir de fato preceitos pétreos daquela Igreja. Fé não se impõe, assim como não se flexibilizam dogmas à sua conveniência.
 
Qualquer guerra é injustificável. O que significam aquelas em nome de Deus? O adulto escolhe o que quer ser. A escolha deve ser sua. E não se obrigue a levar alguém consigo. Eu não pratico nenhuma religião e nem professo nenhuma fé desde os 16 anos (1971), quando dei um grito de “chega!”
 
Igreja apenas em batizado, casamento, missa de sétimo dia. Mas não foi sempre assim. A minha Mãe Milena Narciso Cruz me criou na Igreja Católica. Colado em minha cama tinha um anjo cuidando de um menino e uma menina. Rezávamos todas as noites. Aos sete anos fui ao catecismo, fiz a Primeira Comunhão, era obrigada a ir à Missa todos os domingos. A nossa casa era cheia de imagens de anjos e santos, Bíblia, missal, salmos, terços, velas acesas, muita fé em Nossa Senhora. Mãe dizia que nos momentos mais tenebrosos, quando a dor impedia qualquer oração, bastava dizer várias vezes: Maria, valei-me! Maria, socorrei-me! E a graça vinha. Eu acreditava. Receber o Corpo de Cristo na Comunhão causava emoção num prazer contrito, de joelhos, cabeça baixa, rezando baixinho.

Era preciso confessar e comungar pelo menos uma vez por ano, na Páscoa. Naquele tempo, sem se confessar, ninguém comungava. Tinha de se ajoelhar ao pé do padre, contar o que tinha feito e rezar a penitência. Em menina, tremia de medo, e Mãe me obrigava, levando-me ao confessionário: vai! Eu obedecia, mas detestava.
 
Estudei por 10 anos no Colégio Berlaar Imaculada Conceição e três anos no Colégio Marista São José. Era muita missa e aula de religião, rezando quase todos os dias. Ameaças povoaram a nossa mente infantil com imagens do inferno e do dilúvio. Qualquer um de nós tem nos frágeis cérebros essas maldades gravadas em pedra.
 
Milena me ensinou que a maior festa cristã não era o Natal, e sim a Páscoa, porque se Jesus não tivesse ressuscitado, de nada valeria Ele ter nascido. Então, em minha casa se comemorava o Natal com uma ceia na família grande, avós, tios e primos e um Almoço de Natal na família pequena. Mas para Mãe, o grande dia era o Domingo de Páscoa, com todos se confessando, indo à missa de roupa nova, comungando em jejum com a cabeça coberta por um véu branco, numa missa enorme, lotada e durando mais de duas horas. Depois íamos para casa almoçar uma comida especial, que nos bons tempos tinha vinho e peru. Por isso amigos, entre lágrimas, dores, más e boas lembranças, a Páscoa jamais deixará de ser A Páscoa, o renascer melhor. Eu a reverencio, assim como reverencio a Cristo, a minha mãe, e a todos os meus mortos.
 

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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