Cinema e literatura
O
cinema pode ser ótimo coadjuvante da literatura, mas jamais seu
substituto. Fiz esse tipo de discussão, recentemente, com amigos,
num “cenáculo” informal que temos num barzinho aqui da cidade
(para quem não sabe, resido em Campinas). Curiosamente, recebi,
nessa mesma semana, um e-mail de um leitor propondo-me que traçasse
um paralelo entre estas duas formas de expressão artística. Vamos,
pois, ao desafio.
Filmes
baseados em livros famosos auxiliam muito, por exemplo, no
entendimento do enredo de determinado romance ou novela, mas têm o
defeito de omitir as reflexões do autor, feitas, geralmente, à
margem do desenrolar da história, quando da descrição de
personagens e/ou cenários. E aí é que está a essência de
qualquer obra literária que se preze, embora o leigo nem desconfie
que assim seja.
Quando
me refiro a cinema, claro, pressuponho o de qualidade, não o chamado
“trash”, mal-feito técnica e conceitualmente, que esbanja
violência e sexo, tipo “Sexta-feira 13”, “Pânico”, “Rambo”
e outras tantas bobagens que até fazem sucesso de bilheteria, mas
não têm nenhuma substância, qualquer mensagem que preste. O mesmo
vale para literatura. Há livros e livros. Alguns, quando lidos,
tornam-se inesquecíveis. Outros... Seria melhor poupar as árvores
derrubadas para fazer o papel em que são impressos.
Um bom filme valoriza um livro apenas mediano e o oposto também é verdadeiro. Ou seja, um mau, arrebenta com a obra até de um Balzac, um Eça de Queiroz ou um Machado de Assis, entre tantos. A escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís – destaque das letras de Portugal na atualidade, ganhadora do Prêmio Camões de 2004, sobre a qual tratei em algumas ocasiões – abordou com precisão a relação dessas duas artes, em entrevista publicada em 18 de junho de 2000, no caderno “Mais!”, do jornal Folha de S. Paulo.
Constatou:
“O cinema é uma forma de respirar da literatura. Bergman queria
ser escritor, mas a linguagem literária é outra. A linguagem
cinematográfica é puramente emotiva e mais sintética. Mostra, mas
não demonstra, ilumina, mas não informa”. Concordo com ela. São,
como afirmei, duas formas de expressão estética complementares, mas
não exclusivas.
Desde
criança, sempre gostei de cinema, mas nunca fui o que se costuma
chamar de “cinéfilo”. Há pessoas que sabem tudo dessa arte,
como os nomes e biografias dos principais diretores, dos atores e
atrizes, enredos os mais diversos, prêmios, etc.etc.etc. Até já
tentei, em certa ocasião, organizar um arquivo a respeito, que
contivesse todos esses dados. Fracassei.
Em
determinados períodos da minha vida (diria na maioria deles), me vi
privado de freqüentar cinema, por várias razões. As principais
foram falta de dinheiro (em alguns momentos da carreira ganhava tão
pouco que não podia me dar o luxo de esbanjar nem um centavo do
salário com despesas que poderia evitar) e, na maior parte dos
casos, por trabalhar à noite.
Como
jornalista, sempre fui (e ainda sou, pois estou em plena atividade)
editor. Ou seja, sou aquele sujeito chato que realmente “faz” um
jornal. Sou o profissional que tem o poder de decisão, a
prerrogativa de dizer o que, quanto e como publicar determinada
notícia, ou reportagem, na editoria da qual sou responsável (para
desespero dos repórteres). E essa atividade... é noturna.
Pelos
motivos expostos, portanto, fiquei desatualizado em relação às
grandes produções cinematográficas. Nesta era do computador, do
DVD e, especialmente da televisão a cabo, com seus vários canais
especializados em filmes, voltei a me atualizar. Pude, finalmente,
ver e rever os grandes sucessos de bilheteria que não havia podido
assistir quando do seu lançamento e até tecer comentários a
respeito.
Cheguei,
mesmo, a organizar um fichário a respeito que, desconfio, tem muitos
“furos”. Tomara que não tenha tantos quanto suponho. Mas que
fique claro que não tenho nada, absolutamente nada contra o cinema
como expressão artística. Todavia, se tiver que fazer escolha entre
ele e a Literatura, não tenho a menor dúvida sobre qual será minha
opção.
Vivo
no mundo dos livros desde tenra infância. Sou leitor contumaz e
compulsivo, tanto que já passaram sob meus olhos (e pelo meu
espírito, claro) milhares e milhares de livros, dos mais diversos
gêneros e autores. Só a minha biblioteca particular (que não é
das maiores ou melhores), conta com mais de quatro mil volumes,
conforme a última contagem que fiz.
E
o que já escrevi! É incontável. Desconfio que se imprimisse todos
os meus textos e os enfileirasse, um ao lado do outro, a quantidade
de papel gasto seria suficiente para dar algumas voltas ao redor do
mundo. Exagero? Não, não é, paciente leitor.
Para
que você tenha uma idéia da minha produção, só no ano passado
redigi 537 crônicas, a maioria espalhada internet afora, nos vários
sites em que sou cronista. Só que não me limitei a esse gênero.
Produzi contos, novelas, poesias, ensaios e estou em fase de
conclusão de um romance. Ufa!! Para comprovar que não estou
exagerando, é bastante fácil. Basta que o incrédulo amigo consulte
o site de buscas “Google”, digitando Pedro J. Bondaczuk.
Ao
contrário de literato (se bom ou ruim, não sei e nunca irei saber),
jamais fui diretor de cinema, nem produtor, roteirista e muitíssimo
menos ator. Nem mesmo sei como é um set de filmagem. Meu
comprometimento com essa arte, portanto, é nulo. É igual o seu, meu
amigo leitor: ou seja, o de mero diletante. Talvez, por força da
minha profissão, eu seja um pouquinho melhor-informado a respeito.
Mas nem tanto a ponto de posar como “expert”.
Se
você quiser, portanto, se deliciar plenamente com obras como “Guerra
e Paz”, de Leon Tolstoi; “Dr. Jivago”, de Boris Pasternak;
“Madame Bovary”, de Gustave Flaubert; “O médico e o monstro”,
de Robert Louis Stevenson ou, mesmo, “Memórias Póstumas de Brás
Cubas”, de Machado de Assis (entre tantas outras já transpostas
para o cinema), faça o seguinte: passe numa locadora e alugue os
filmes baseados nestes romances. Depois, vá à sua estante e pegue
esses livros (se os tiver, caso contrário, passe numa livraria e
compre-os) e os leia com a máxima atenção, se abstraindo do enredo
e atentando para as nuances estilísticas de cada escritor. O prazer
estético que o amigo terá será incomparável. Duvida? Faça isso e
depois me conte, combinado?
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A leitura traz emoções diferentes das do cinema. Num, a imaginação e noutro o ator e a sua interpretação guiada pelo diretor. Sim, são artes bem diferentes.
ResponderExcluir