quarta-feira, 26 de abril de 2017

Imposto de Renda: justo e imparcial


* Por Mara Narciso


Quando sou informada pelo Jornal da Band do desvio de um bilhão de reais na reforma do Estádio Mário Filho, a Arena Maracanã, entendo porque de cada R$100,00 brutos que recebo, entrego R$27,50 ao governo. Faz todo o sentido. Caso não fosse feita essa extorsão de quem trabalha, como seriam feitas as rapinas maiores? A lógica aqui é cristalina e inequívoca.


Lamúria surrada esta de reclamar para pagar o Imposto de Renda. Caso não ganhasse, não pagaria. A garganta profunda do governo é mais poderosa do que um buraco negro, insaciável, que puxa luz, tempo e vida. O que entra ali não são apenas numerários, são dores, suores, força, lutas pela sobrevivência. Todos pagam para a máquina girar. É “lúcido, válido e inserido no contexto” (Paulo Diniz).


Quanto valho? Enquanto trabalho e perco a saúde, tenho valor, quando não mais puder, todos sabem o que acontecerá. Os legisladores agem como feitores de chibata na mão, e a cada dia arrancam mais couro de quem produz. A escravidão está em curso, tendendo a piorar. Números, por favor!


Tenho 61 anos e trabalho desde 1978 num estágio não remunerado de Medicina. Formada em 07 de dezembro de 1979, fiz três anos de Residência Médica (80, 81 e 82), atendendo até 60 doentes internados num único dia, também sem remuneração. Iniciei atendimento em consultório em 1983, e comecei a pagar o INSS. Naquela época, o teto máximo eram 20 salários mínimos, a preços de hoje R$ 18.740,00, uma miragem, pois o maior valor pago pela Previdência é de R$5.531,00.


Paguei ao INSS conforme a lei para médicos. No início, sobre dois salários mínimos, depois sobre cinco e por mais de 15 anos sobre o teto. Acabei por me aposentar, após 30 anos de contribuição, aos 57 anos com quatro salários mínimos, e agora três: R$2840,00. Será que o perdulário governo investiria R$580,00 mensalmente durante 360 meses para ter esse rendimento?


Vive-se mais, esse é o motivo para surrupiar nosso direito. Continuo produzindo e pagando a Previdência, montante que não me será revertido. Como recebo de mais de uma fonte, continuam meus descontos previdenciários automáticos duplos ou triplos, que não consigo impedir.


Nunca recebi nada do governo, talvez meia dúzia de vacinas, se tanto. Sou de família pobre, porém instruída, tive sorte, pois puderam pagar meus estudos, tratamentos e remédios. Sempre estive do lado que carrega o país. Não penso que dei ou darei prejuízo, mas tive, tenho e terei perdas.


De tanto trabalhar e escrever, há dez anos e meio, quando fiz a faculdade de Jornalismo, adquiri LER- Lesão por Esforço Repetitivo (moléstia incapacitante e incurável). Reduzi carga e estilo de atender, escrevendo pouco, abreviando, não trabalhando sexta-feira à tarde, e, ganhando menos. Fiz interrupções para tratamento fisioterápico, pois a causa é escrever e o tratamento é parar de escrever (manual ou digital). Há 20 meses sinto dores diárias, fraqueza e perda da função nos dois braços (fui sobrecarregando o outro). Estive mal, a ponto de não conseguir segurar o garfo.


Sem conseguir trabalhar há sete meses, precisei da ajuda do meu filho, para escrever, sob orientação do CRM. Depois de 97 sessões de Fisioterapia, Pilates e Dança Flamenca, estou melhor, porém, devo escrever pouco. Para continuar, investi, informatizei o consultório, sem saber se vou me adaptar ao sistema e o mais desafiador, aguentar trabalhar. Empresas que devem milhões e a má gerência governamental não pagam a conta. A cobrança recai sobre o idoso fraco, omisso, cordato, teleguiado.

Tiradentes morreu em vão, lutando para não pagar à Coroa Portuguesa 20% da extração do ouro, episódio conhecido como Derrama. Eu, com sérias restrições físicas, pago 27,5%. Trabalhando doente, atendendo convênios, tenho descontos também no benefício, entrego meu sangue ao governo que aí está, e caio morta. Como médica, estou assim. E as demais profissões? Vitimização, palavra da moda. Que seja! Quem custeará meu funeral? Pelo menos não verei nada.



* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


2 comentários:

  1. Seria cômico se não fosse trágico, Mara. Somos verdadeiros bocós dessa caterva de Brasília...

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  2. O meu caso verdadeiro e inacreditável mostra o quanto somos úteis, até nos tornarmos inúteis.

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