sábado, 15 de abril de 2017

A canção do monjolo


* Por Cassiano Ricardo


O arco-íris já se pôs debruçado no morro
como um fantasma, sete cores na cabeça,
contando histórias pela boca do trovão...
O monjolo, a bater na encosta do grotão,
soca o pilão.


Passa correndo por um vão de serra braba
a sucuri de rabo azul que é o ribeirão.
Os ecos em redor ficam de boca aberta
e fazem o sinal da cruz por todo o boqueirão.
Tenho a doida ilusão de que todos os ecos
e o próprio arco-íris que casou com a solidão
estão pasmados de chapéu na mão.


O monjolo, a bater na encosta do grotão,
soca-pilão, soca-pilão.


Meu pangaré trotão de olhos azuis como turquesas
põe-se a cismar na tarde roxa e quer parar
antes do tempo,
quando lhe dou a rédea a subir o grotão:
é a eterna música do pilão
que está batendo como um coração...


A minha namorada, uma trigueira
de treze anos em flor, lábios cor de pinhão,
vai buscar a canjica loura que ele soca
e pára a ouvi-lo junto às águas da barroca,
como a um relógio de repetição.
E fica-lhe no ouvido a música que ele toca,
socapilão, socapilão!


A enxada brilha nas tigueras do espigão.
O lavrador que anda a estalar duas espigas
vai arrancar cruas mandiocas cor de terra
ao roxo terra que anda roxo pelo chão.
Os cafeeiros qual soldados muito verdes
marcham de dois, de dois em dois contra o sertão.
A enxada brilha nas tigueras do espigão...
Sooooooooóóóca-pilão!



* Jornalista, poeta e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras.

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