A esposa do Doutor Almeidinha
* Por
Celamar Maione
Caminhavam lado a lado em
direção ao metrô do Largo da Carioca, no Centro da Cidade, quando
Mirtes, com os lábios trêmulos, gritou com o marido:
-Anda, Almeidinha! Me diz quem
é a piranha da sua amante.
-Já disse para você que não
tenho amante. Isso é coisa da sua cabeça!
-Já sei quem é. É aquela
morena de coxa grossa e cabelos pintados. Não é? Fala, não é ela?
Almeidinha não respondeu.
Sabia que não existia diálogo com a esposa, principalmente quando
ela começava com as cenas de ciúme. Mirtes, não satisfeita com o
silêncio do marido, pegou–o pelo colarinho e o sacudiu:
-Diz logo quem é, seu filho
da mãe! Tô ficando irritada!
-Mirtes, estamos no meio da
rua. Olha o vexame!
Mirtes continuou a sacudir o
marido, enraivecida. A atitude da mulher chamou a atenção de quem
passava pelo local:
-Olha lá, a mulher batendo no
cara.
-Ihhhhh, vai sair porrada!
Logo, fez-se um círculo em
volta do casal. Almeidinha, um conceituado ginecologista, não sabia
onde enfiava a cara. A esposa, cada vez mais possessa, exigia o nome
da suposta amante:
-Diz, seu filho da mãe! Diz
que eu vou partir a cara dessa piranha!
Três contínuos que passavam
pelo local começaram o coro, incentivando Mirtes:
-Fala, fala, fala.
Almeidinha desvencilhou-se da
esposa. Empurrou a multidão que se aglomerava e desceu a escadaria
do metrô, envergonhado. Mirtes aproveitou a platéia e fez pequeno
discurso:
-Esse homem, com cara de
santo, é um vigarista. Me trai com uma cliente. Ainda descubro quem
é a vagabunda. Sexto sentido de mulher não se engana!
Aos poucos, a multidão se
dispersou. Mirtes ficou sozinha. Quando chegou em casa, Almeidinha
arrumava as malas.
-O que é isso, Almeidinha?!
-Vou me embora. Não agüento
mais seu ciúme. Hoje me matou de vergonha. Amanhã, me mata de
verdade.
-Embora?! Que vai embora,
nada! Se você me largar, faço um escândalo. Vou aos jornais e digo
que você molesta suas pacientes. Forjo testemunha. Você não me
conhece, Almeidinha. Acabo com a sua raça!
Almeidinha ficava com medo.
Sabia do que ela era capaz. Quando se casou, Mirtes era uma mulher
doce e companheira. Com seis meses de casados, começaram as cenas de
ciúmes. Tinha ciúme de todas as clientes. Até das mais velhas e
feias. De início, exigiu trabalhar no consultório como
recepcionista. Porém, depois de arranjar confusão com três
pacientes, Almeidinha aconselhou a esposa a ficar em casa. Caso
contrário, iriam falir. A desconfiança continuou de longe . Mirtes
não permitia que o marido tivesse recepcionista e ligava para o
consultório de hora em hora. Quando Almeidinha desligava o celular,
Mirtes passava no consultório e esperava o término das consultas.
Se Almeidinha, chegasse em casa cansado e não quisesse ir para a
cama, depois de cheirar-lhe os dedos, o agredia com desconfiança:
-Vai me deixar na vontade? Não
agüenta mais ver xoxota?! É nisso que dá, transa com aquelas
clientes cheias de HPV! Devasso! Tarado!
Almeidinha deixava Mirtes
falando sozinha, se trancava no banheiro e, sentado no vaso, pegava
o celular e fazia uma ligação. Quando atendiam do outro lado,
Almeidinha se transformava:
-Se você não existisse, não
sei o que faria. Não agüento mais essa doida no meu pé. Tenho que
me livrar dela. Me ajuda! Como?? Você tem um plano? Diga. Qual é o
plano?
Do outro lado, aconselhavam e
acalmavam Almeidinha. Conformado, quando Almeidinha saía do
banheiro, Mirtes já dormia , depois de tomar 6 miligramas de
tranqüilizantes. No dia seguinte, quando Almeidinha saía para o
consultório, Mirtes impunha novas recomendações:
-E se eu chegar no consultório
de surpresa e você tiver de gracinha com alguma cliente, faço um
escarcéu!
Almeidinha balançava a
cabeça, obediente. No caminho, fazia sua ligação habitual:
-Hoje?? Você acha que vai dar
certo? Será? Ela comprou uma arma. Certeza. Na gaveta das calcinhas.
Ta, tomara que sim. Um abraço.
Almeidinha chegou no
consultório aliviado. Aquela ligação lhe devolveu a vida. Quando
o relógio bateu seis da tarde, desligou o celular, tirou o telefone
do gancho e mandou a última cliente entrar.
-Dona Waldecina, por favor.
Seis e cinco. Mirtes ligou
para o celular do marido. Desligado. Ligou para o telefone do
consultório. Ocupado. Seis e 15. Irritou-se! O coração apertou no
peito. Sentiu falta de ar. Foi até a gaveta das calcinhas, pegou o
revólver e saiu. Chamou um táxi. Chegou no consultório 7 da noite.
Almeidinha se despedia de Waldecina, com a mão no ombro direito da
paciente:
-A senhora retorna com todos
os exames feitos.
-Então é essa a sua amante?
Waldecina não entendeu:
-Quem é essa mulher? O que
está acontecendo?
Cega de ciúme, Mirtes pega o
revólver na bolsa e dá dois tiros certeiros no peito de Waldecina.
Waldecina cai. Almeidinha grita:
-Sua louca, matou minha
cliente! E agora?
A porta do banheiro da
ante-sala do consultório se abre. Renildo surge correndo até o
corpo de Waldecina. Se ajoelha, chorando, e abraça a mulher morta :
-Que desgraça, meu Deus! Que
tragédia!!
Mirtes arregalou os olhos,
assustada:
- Quem é você? O marido
dela?
Renildo balança a cabeça
afirmativamente. Mirtes não sabe o que fazer. Os dois homens a
acusam de louca assassina.
Enquanto Almeidinha liga para
a polícia e Renildo continua agarrado ao corpo de Waldecina, Mirtes
corre para a janela, toma impulso e se joga do décimo-segundo andar.
Se espatifa na calçada da Avenida Rio Branco.
Quis o destino que Waldecina e
Mirtes fossem enterradas no mesmo cemitério. Ficaram em capelas
vizinhas. Renildo velou o corpo da esposa a noite toda. Faltando uma
hora para o enterro das duas mulheres, vai até a capela ao lado. Foi
direto até Almeidinha. Abraçou-o com força e puxou-o pela cabeça:
-Enfim, livres para amar!
Almeidinha deu um sorriso
discreto e apertou, excitado, o braço de Renildo.
* Radialista e jornalista,
trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA,
Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da Rádio
Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e
comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente
poesias e contos. É autora do livro de contos “Só as feias são
fieis” (Editora Multifoco).
Enfim, uma solução.
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