domingo, 30 de abril de 2017

A esposa do Doutor Almeidinha



* Por Celamar Maione


Caminhavam lado a lado em direção ao metrô do Largo da Carioca, no Centro da Cidade, quando Mirtes, com os lábios trêmulos, gritou com o marido:
-Anda, Almeidinha! Me diz quem é a piranha da sua amante.
-Já disse para você que não tenho amante. Isso é coisa da sua cabeça!
-Já sei quem é. É aquela morena de coxa grossa e cabelos pintados. Não é? Fala, não é ela?

Almeidinha não respondeu. Sabia que não existia diálogo com a esposa, principalmente quando ela começava com as cenas de ciúme. Mirtes, não satisfeita com o silêncio do marido, pegou–o pelo colarinho e o sacudiu:
-Diz logo quem é, seu filho da mãe! Tô ficando irritada!
-Mirtes, estamos no meio da rua. Olha o vexame!

Mirtes continuou a sacudir o marido, enraivecida. A atitude da mulher chamou a atenção de quem passava pelo local:
-Olha lá, a mulher batendo no cara.
-Ihhhhh, vai sair porrada!

Logo, fez-se um círculo em volta do casal. Almeidinha, um conceituado ginecologista, não sabia onde enfiava a cara. A esposa, cada vez mais possessa, exigia o nome da suposta amante:
-Diz, seu filho da mãe! Diz que eu vou partir a cara dessa piranha!
Três contínuos que passavam pelo local começaram o coro, incentivando Mirtes:
-Fala, fala, fala.

Almeidinha desvencilhou-se da esposa. Empurrou a multidão que se aglomerava e desceu a escadaria do metrô, envergonhado. Mirtes aproveitou a platéia e fez pequeno discurso:
-Esse homem, com cara de santo, é um vigarista. Me trai com uma cliente. Ainda descubro quem é a vagabunda. Sexto sentido de mulher não se engana!
Aos poucos, a multidão se dispersou. Mirtes ficou sozinha. Quando chegou em casa, Almeidinha arrumava as malas.
-O que é isso, Almeidinha?!
-Vou me embora. Não agüento mais seu ciúme. Hoje me matou de vergonha. Amanhã, me mata de verdade.
-Embora?! Que vai embora, nada! Se você me largar, faço um escândalo. Vou aos jornais e digo que você molesta suas pacientes. Forjo testemunha. Você não me conhece, Almeidinha. Acabo com a sua raça!

Almeidinha ficava com medo. Sabia do que ela era capaz. Quando se casou, Mirtes era uma mulher doce e companheira. Com seis meses de casados, começaram as cenas de ciúmes. Tinha ciúme de todas as clientes. Até das mais velhas e feias. De início, exigiu trabalhar no consultório como recepcionista. Porém, depois de arranjar confusão com três pacientes, Almeidinha aconselhou a esposa a ficar em casa. Caso contrário, iriam falir. A desconfiança continuou de longe . Mirtes não permitia que o marido tivesse recepcionista e ligava para o consultório de hora em hora. Quando Almeidinha desligava o celular, Mirtes passava no consultório e esperava o término das consultas. Se Almeidinha, chegasse em casa cansado e não quisesse ir para a cama, depois de cheirar-lhe os dedos, o agredia com desconfiança:
-Vai me deixar na vontade? Não agüenta mais ver xoxota?! É nisso que dá, transa com aquelas clientes cheias de HPV! Devasso! Tarado!

Almeidinha deixava Mirtes falando sozinha, se trancava no banheiro e, sentado no vaso, pegava o celular e fazia uma ligação. Quando atendiam do outro lado, Almeidinha se transformava:
-Se você não existisse, não sei o que faria. Não agüento mais essa doida no meu pé. Tenho que me livrar dela. Me ajuda! Como?? Você tem um plano? Diga. Qual é o plano?
Do outro lado, aconselhavam e acalmavam Almeidinha. Conformado, quando Almeidinha saía do banheiro, Mirtes já dormia , depois de tomar 6 miligramas de tranqüilizantes. No dia seguinte, quando Almeidinha saía para o consultório, Mirtes impunha novas recomendações:
-E se eu chegar no consultório de surpresa e você tiver de gracinha com alguma cliente, faço um escarcéu!

Almeidinha balançava a cabeça, obediente. No caminho, fazia sua ligação habitual:
-Hoje?? Você acha que vai dar certo? Será? Ela comprou uma arma. Certeza. Na gaveta das calcinhas. Ta, tomara que sim. Um abraço.

Almeidinha chegou no consultório aliviado. Aquela ligação lhe devolveu a vida. Quando o relógio bateu seis da tarde, desligou o celular, tirou o telefone do gancho e mandou a última cliente entrar.
-Dona Waldecina, por favor.

Seis e cinco. Mirtes ligou para o celular do marido. Desligado. Ligou para o telefone do consultório. Ocupado. Seis e 15. Irritou-se! O coração apertou no peito. Sentiu falta de ar. Foi até a gaveta das calcinhas, pegou o revólver e saiu. Chamou um táxi. Chegou no consultório 7 da noite. Almeidinha se despedia de Waldecina, com a mão no ombro direito da paciente:
-A senhora retorna com todos os exames feitos.
-Então é essa a sua amante?
Waldecina não entendeu:
-Quem é essa mulher? O que está acontecendo?

Cega de ciúme, Mirtes pega o revólver na bolsa e dá dois tiros certeiros no peito de Waldecina. Waldecina cai. Almeidinha grita:
-Sua louca, matou minha cliente! E agora?

A porta do banheiro da ante-sala do consultório se abre. Renildo surge correndo até o corpo de Waldecina. Se ajoelha, chorando, e abraça a mulher morta :
-Que desgraça, meu Deus! Que tragédia!!

Mirtes arregalou os olhos, assustada:
- Quem é você? O marido dela?
Renildo balança a cabeça afirmativamente. Mirtes não sabe o que fazer. Os dois homens a acusam de louca assassina.

Enquanto Almeidinha liga para a polícia e Renildo continua agarrado ao corpo de Waldecina, Mirtes corre para a janela, toma impulso e se joga do décimo-segundo andar. Se espatifa na calçada da Avenida Rio Branco.
Quis o destino que Waldecina e Mirtes fossem enterradas no mesmo cemitério. Ficaram em capelas vizinhas. Renildo velou o corpo da esposa a noite toda. Faltando uma hora para o enterro das duas mulheres, vai até a capela ao lado. Foi direto até Almeidinha. Abraçou-o com força e puxou-o pela cabeça:
-Enfim, livres para amar!
Almeidinha deu um sorriso discreto e apertou, excitado, o braço de Renildo.


* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Foi Produtora-Executiva da  Rádio Tupi. Lecionou Telemarketing, atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos. É autora do livro de contos “Só as feias são fieis” (Editora Multifoco).

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