domingo, 30 de abril de 2017

A corrente de São Severino e a Odebrecht


* Por José Ribamar Bessa Freire


Os trabalhadores nada têm a perder, a não ser as suas correntes”. (Karl Marx – Manifesto Comunista, 1848)

Se você é trabalhador, não perca esta corrente que está circulando mundo afora desde 1901. Faça vinte cópias e passe adiante. Ela começou na França, com o nome original de “Chaîne de Saint-Séverin Des Pauvres”. Seu autor, Leão Amorim, por incrível que pareça, é um amazonense que vivia em Paris, onde criou, muito antes de Cabral, a dancinha do guardanapo numa noite de esbórnia no “Le Procope”. Foi lá que dilapidou a fortuna do pai, Alexandre Amorim (1831-1881), o Odebrecht do séc. XIX, dono de seringais, de empresas de navegação e de todo Estado do Amazonas.

Monsieur Amorrã, como Leão era conhecido, traduziu a versão da “Corrente de São Severino dos Pobres” e deu uma cópia a Santos Dumont, que a levou em seu voo no dirigível em volta da Torre Eiffel. Daí, percorreu o mundo em várias línguas e atravessou os cinco continentes. Foi extraviada na Primeira Guerra Mundial. Durante décadas, ninguém ouviu falar dela até que um sócio do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), encontrou nos arquivos da instituição, em 1986, uma cópia da “Corrente de São Severino, onde entra homem, mulher e menino”. 

O nome foi, então, adulterado pelo secretário de cultura de todos os governos, Berinho Braga, para “Corrente de Santa Etelvina, onde entra homem, mulher e menina”. Era para puxar o saco de um governador que queria fazer média com o povo que canonizou a santa amazonense. Após a Operação Lava-Jato, o documento original foi recuperado, com dados atualizados pela delação de Marcelo Odebrecht, cuja versão vai abaixo publicada.

Propinas de Sansseverã

Você está recebendo agora, em abril de 2017, esta corrente, dentro de um envelope com sobras de propinas. Não guarde esta mensagem por mais de nove dias, pois depois desse período poderá ter muito azar. Sem se identificar, faça 20 cópias, divida a bufunfa em parcelas iguais e envie para os 20 parlamentares e ministros mais delatados. Não quebre a corrente. Dentro de nove dias – ou mesmo antes – você será recompensado.

Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o “Caranguejo”, então presidente da Câmara, rasgou a corrente como já havia feito com a Constituição. Depositou a propina do envelope em várias contas de bancos suíços, transferindo os ativos para um trust de usufruto dele e de sua mulher Cláudia. Por isso, o traste foi cassado e passou a ser usufrutuário de uma cela em Curitiba.

Moreira Franco (PMDB-RJ), de codinome “Angorá”, esnobou e não passou pra frente a corrente. Resultado: foi denunciado por negociata em concessões de aeroportos, que somaram ao todo R$ 45 bilhões, entre os quais o Galeão. Ele ia ser preso, mas no nono dia pediu a Lúcia, sua secretária, que fizesse o envio. Foi salvo. Seu amigo do peito, Michel Temer, o nomeou ministro para que tenha foro privilegiado. Sua prisão foi adiada para o dia de São Nunca.

Experiência similar viveu Aécio Neves (PSDB-MG), o “Mineirinho”. Ocupado em atividades recreativas na praia do Leblon, encarregou Oswaldo Borges, presidente da CODEMIG, de remeter a corrente a vinte amigos. Oswaldinho esqueceu e, por isso, Aécio foi citado cinco vezes na Lava-Jato por desvio de verbas, fraude na licitação da obra da Cidade Administrativa e outras cositas mais. Alertado, fez a corrente andar. Depois disso tirou foto sorridente com o juiz Sérgio Moro e foi assim blindado, escapando da prisão. Adquiriu moro privilegiado. Apesar das acusações, nunca será preso. Não foi esse o destino do ex-governador do Rio.

- Rasga essa corrente e usa a propina para comprar joias.

Essa foi a ordem dada por Sérgio Cabral a Adriana Ancelmo, sua esposa. Ela obedeceu e jogou a mensagem na lata do lixo. Bem feito! Ele está preso em Bangu, mas pelo menos reconheceu: “Eu exagerei. Devia ter dividido a propina com os correntistas”.

Ninguém ficou sabendo se os quatro amigos codinomeados “Primo” (Eliseu Padilha), “Caju” (Romero Jucá), “Botafogo” (Rodrigo Maia) e “Índio” (Eunício Oliveira) passaram a corrente pra frente. Há quem diga que não porque eles foram denunciados por crimes cabeludos e constam da lista de Fachin. Mas há quem diga que sim, porque todos tem foro privilegiado e trabalham na proposta de Jucá e Renan Calheiros (o “Justiça) para abafar a Lava-Jato e o que chamam de “cruzada moralista”. Coincidência? Sorte? Só vendo para crer.

O ex-presidente Lula, embora achando que essa história de corrente é pura superstição, por via das dúvidas orientou seu “amigo” para que enviasse aos vinte destinatários. Só no dia 3 de maio, quando Lula se enfrentará com Moro, o Torquemada de Curitiba, saberemos pelos resultados o que foi que o amigo realmente fez.  

A Rede Globo divulgou a corrente com acréscimos, ampliando o espaço de seus adversários, que repete à saciedade, minimizando o de seus aliados. Foi recompensada e passou a receber as delações em tempo real.

Nas próximas semanas, com o desdobramento da Lava-Jato, conheceremos ainda o que fizeram com a corrente ministros, parlamentares, governadores e prefeitos acusados de propineiros, como ACM Neto (DEM) que recebeu R$ 1,8 milhão em caixa 2 ou a Marta Traíra Suplicy. Quanto ao presidente da República, vejam o que aconteceu:   

- Renuncio – gritou em voz alta Michel Temer, com uma vela acesa na mão. Isso ocorreu na igreja maronita Nossa Senhora do Líbano no bairro paulistano de Cambuci. Foi em 1947, quando foi crismado. O bispo coadjutor de Campinas, dom Antônio Maria, que oficiou a cerimônia de renovação das promessas de batismo, lhe havia perguntado:

- Renunciais ao Satanás, às suas pompas e às suas obras?

Temer, que tinha sete anos, confirmou que sim, mas era tudo mentira. Mais de 70 anos depois, fingindo ignorar a propina, rasgou a corrente em pedacinhos: Jogá-la-ei no rio Tietê - disse. Dito e feito. Por isso, o Papa Francisco não aceitou o convite para vir ao Brasil, impedindo a exploração política da sua visita.

Agora o resto é contigo, leitor (a). A corrente está em tuas mãos, embora só o texto, pois a propina já foi toda abocanhada. Tira vinte cópias e passa adiante. Insiste, repete, denuncia, reproduz as delações para que o Brasil condene, ao menos moralmente, a quadrilha que tomou de assalto o poder. É preciso ser rápido no gatilho. Não faz como eu, que demorei. Por isso, o cardiologista, com quem eu havia marcado uma consulta, escafedeu-se. Além disso, meu cachorro Patife, codinome Bob, começou a mancar com artrose. Agora que estou te enviando, Bob já melhora a olhos vistos e consegui remarcar minha consulta.

Por todas essas razões, leitor (a) NÃO PARA essa corrente histórica. Continua a obra de Monsieur Amorrã, divulga as delações, especialmente para os paneleiros, que serás recompensado (a) com a graça de São Severino. Você não tem mais nada a perder, a não ser essa corrente.


* Jornalista e historiador.


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