terça-feira, 5 de julho de 2016

Qual o preço pela busca compulsiva da perfeição?

* Por Magali Moser


Fazia tempo que não saía do cinema tão atordoada. Fui assistir Cisne Negro, sem grandes pretensões ou expectativas. Apesar do sucesso de bilheteria na estreia, estava receosa: melhor desconfiar do que agradou multidões. A trama se mostrava interessante: "bailarina consegue papel principal na montagem do clássico O Lago dos Cisnes”. A história, resumida de forma simplória na sinopse, surpreende ao ser levada às telas com profundidade e maestria pela protagonista Natalie Portman e o diretor Darren Aronofsky.

O drama psicológico vivido pela protagonista, a bailarina Nina, chacoalha, atormenta, sacode o expectador da poltrona – e o perturba por dias após a sessão. Como definiu minha amiga: "Cisne Negro é daqueles filmes impossíveis de esquecer de ter visto”. Roteiro que angustia e marca de forma cruel os olhares sensíveis aos dramas humanos, desde a primeira cena.

Embora algumas cenas tenham sido julgadas como desnecessárias ou apelativas por críticos, o longa-metragem mergulha de forma genial num universo demasiado humano: qual o limite para a entrega às paixões que nos movem?

Nina tem a vida entregue à profissão. Quando a primeira dançarina da companhia se aposenta, ela se prepara para interpretar o papel duplo de Odete e Odile em O Lago do Cisne, de Tchaikovsky. Disputa de personagens, rivalidade entre amigas, desgaste emocional, automutilação, pressões, treinamento e preparação física intensos são alguns dos desafios encontrados pela protagonista. Mas o maior deles ainda está por vir. Enquanto ela enfrenta a pressão do diretor, a superproteção da mãe e a chegada de uma bailarina concorrente, passa a ter conflitos com a própria identidade.

Movida pelo desejo de superação, pela preocupação em não frustrar expectativas alheias e pela imensa vontade de mostrar que é capaz de dar conta do recado, ela exige de si mesma mais do que poderia suportar. A preocupação em obter a aprovação de todos faz com que realidade e fantasia se dissolvam. Vida real e personagem passam a se confundir.

A trama derruba o mito do mundo perfeito do balé. Mas o cenário poderia não ser o palco e a personagem não ser uma bailarina. A história seria transportada para qualquer outro contexto, com facilidade, numa sociedade que não perdoa a falha e que exige a necessidade de se provar ser o melhor em tudo e em qualquer ambiente. Nenhuma área hoje escapa ao ideal da perfeição. Mas qual o custo da cobrança compulsiva pela perfeição? Quais as conseqüências de uma sociedade que não aceita o erro? Quais as sequelas deixadas por pais superprotetores e que projetam os próprios sonhos fracassados nos filhos? Qual o preço estamos dispostos a pagar pela busca desenfreada pela excelência? E qual o valor da vida diante dessas pressões?

Apesar de equilibrar perfeição na ponta de sapatilhas, Nina não se trata de uma boneca. É uma mulher. Não podemos ser tudo o que esperam de nós. É preciso aprender a conviver com as imperfeições e com os erros. Faz parte do processo de aceitação da nossa condição humana. Esforçar-se em busca da qualidade é algo admirável, mas autopunir-se pelo perfeccionismo, que na maioria das vezes baseia-se em padrões de exigência fora da realidade, pode ser devastador. A trajetória de Nina é um retrato trágico desta realidade.

O longa merecidamente venceu o Globo de Ouro na categoria melhor performance de uma atriz em Drama e concorre ao Oscar em cinco categorias – melhor filme, atriz e diretor estão entre elas.

Nina só consegue cumprir o que os outros esperam dela quando permite que sua pior faceta – que ela própria desconhecia – se revele. Só então ela é aplaudida com clamor e euforia.

O filme termina, as luzes se acendem, a plateia se esvai. Mas as reflexões que o longa provoca permanecem… Qual o limite entre a sanidade e a loucura? Os personagens de Aronofsky são conhecidos por serem neuróticos patológicos, apesar da aparência normal. Cisne Negro escancara mais uma vez que o que separa a sanidade da loucura é uma fronteira muito tênue. E esse pode ser um dos motivos que explica porque o filme atormenta tanto.

* Jornalista


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