Qual
o preço pela busca compulsiva da perfeição?
* Por
Magali Moser
Fazia tempo que não
saía do cinema tão atordoada. Fui assistir Cisne Negro, sem grandes pretensões
ou expectativas. Apesar do sucesso de bilheteria na estreia, estava receosa:
melhor desconfiar do que agradou multidões. A trama se mostrava interessante:
"bailarina consegue papel principal na montagem do clássico O Lago dos
Cisnes”. A história, resumida de forma simplória na sinopse, surpreende ao ser
levada às telas com profundidade e maestria pela protagonista Natalie Portman e
o diretor Darren Aronofsky.
O drama psicológico
vivido pela protagonista, a bailarina Nina, chacoalha, atormenta, sacode o
expectador da poltrona – e o perturba por dias após a sessão. Como definiu
minha amiga: "Cisne Negro é daqueles filmes impossíveis de esquecer de ter
visto”. Roteiro que angustia e marca de forma cruel os olhares sensíveis aos
dramas humanos, desde a primeira cena.
Embora algumas cenas
tenham sido julgadas como desnecessárias ou apelativas por críticos, o
longa-metragem mergulha de forma genial num universo demasiado humano: qual o
limite para a entrega às paixões que nos movem?
Nina tem a vida
entregue à profissão. Quando a primeira dançarina da companhia se aposenta, ela
se prepara para interpretar o papel duplo de Odete e Odile em O Lago do Cisne,
de Tchaikovsky. Disputa de personagens, rivalidade entre amigas, desgaste
emocional, automutilação, pressões, treinamento e preparação física intensos
são alguns dos desafios encontrados pela protagonista. Mas o maior deles ainda
está por vir. Enquanto ela enfrenta a pressão do diretor, a superproteção da
mãe e a chegada de uma bailarina concorrente, passa a ter conflitos com a
própria identidade.
Movida pelo desejo de
superação, pela preocupação em não frustrar expectativas alheias e pela imensa
vontade de mostrar que é capaz de dar conta do recado, ela exige de si mesma
mais do que poderia suportar. A preocupação em obter a aprovação de todos faz
com que realidade e fantasia se dissolvam. Vida real e personagem passam a se
confundir.
A trama derruba o mito
do mundo perfeito do balé. Mas o cenário poderia não ser o palco e a personagem
não ser uma bailarina. A história seria transportada para qualquer outro
contexto, com facilidade, numa sociedade que não perdoa a falha e que exige a
necessidade de se provar ser o melhor em tudo e em qualquer ambiente. Nenhuma
área hoje escapa ao ideal da perfeição. Mas qual o custo da cobrança compulsiva
pela perfeição? Quais as conseqüências de uma sociedade que não aceita o erro?
Quais as sequelas deixadas por pais superprotetores e que projetam os próprios
sonhos fracassados nos filhos? Qual o preço estamos dispostos a pagar pela busca
desenfreada pela excelência? E qual o valor da vida diante dessas pressões?
Apesar de equilibrar
perfeição na ponta de sapatilhas, Nina não se trata de uma boneca. É uma
mulher. Não podemos ser tudo o que esperam de nós. É preciso aprender a
conviver com as imperfeições e com os erros. Faz parte do processo de aceitação
da nossa condição humana. Esforçar-se em busca da qualidade é algo admirável,
mas autopunir-se pelo perfeccionismo, que na maioria das vezes baseia-se em
padrões de exigência fora da realidade, pode ser devastador. A trajetória de
Nina é um retrato trágico desta realidade.
O longa merecidamente
venceu o Globo de Ouro na categoria melhor performance de uma atriz em Drama e
concorre ao Oscar em cinco categorias – melhor filme, atriz e diretor estão
entre elas.
Nina só consegue
cumprir o que os outros esperam dela quando permite que sua pior faceta – que
ela própria desconhecia – se revele. Só então ela é aplaudida com clamor e
euforia.
O filme termina, as
luzes se acendem, a plateia se esvai. Mas as reflexões que o longa provoca
permanecem… Qual o limite entre a sanidade e a loucura? Os personagens de
Aronofsky são conhecidos por serem neuróticos patológicos, apesar da aparência
normal. Cisne Negro escancara mais uma vez que o que separa a sanidade da
loucura é uma fronteira muito tênue. E esse pode ser um dos motivos que explica
porque o filme atormenta tanto.
*
Jornalista
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