terça-feira, 12 de julho de 2016

Platão viveu aquilo que pregou



Quando se pensa em filósofos, qual o tipo de comportamento deles nos vem, de imediato, à mente? Certamente é o de um sujeito pacato, sedentário, introspectivo, às voltas, somente, com livros e com idéias. Ou seja, de alguém que não se caracteriza pelo vigor físico. Pensamos em um indivíduo, por exemplo, que não se sente atraído por esportes, por guerras, por viagens, em suma, pela “agitação”. Nos vem, de imediato, à mente uma pessoa que abomina tudo o que possa ser considerado, mesmo que remotamente, como “perda de tempo”. Esse é o perfil que traçamos de um filósofo, seja da antiguidade, seja da época atual. Claro que se trata de um estereótipo que não se enquadra, necessariamente, à atividade. Uma coisa não tem nada a ver com outra. Porém, é a imagem que invariavelmente formamos deles.

Mesmo que muitos filósofos (talvez a maioria) tenham se enquadrado (e ainda hoje se enquadrem) nesse perfil, isso está longe de ser uma regra geral, uma questão, digamos, “sine qua non”. O exemplo mais característico de que uma pessoa não precisa abrir mão das em geral saudáveis atividades físicas para filosofar é o caso de Platão. Sabe-se que em sua juventude, além de ser instruído em gramática, em música, em matemática e em tantas disciplinas indispensáveis a boa formação intelectual, demonstrando profundo amor ao estudo, ele tinha aulas, também, de ginástica. E foi mais longe. Tornou-se um atleta, participando de competições de luta. E era bom nesse esporte. Tanto que chegou a representar Atenas nos Jogos Ístmicos. Se chegou a ganhar alguma coisa, seus biógrafos não revelam. A julgar, porém, pelo seu porte físico e pelo seu vigor, suponho que tenha obtido algum, ou talvez muito, sucesso.

Além disso, Platão viajou muito, em  várias fases de sua vida. Uma das primeiras viagens que fez foi para Megara, para conhecer Euclides. Isso ocorreu depois da morte de Sócrates, o que lhe causou profunda tristeza e enorme decepção com o estado de corrupção da sociedade ateniense. A condenação de seu mestre, com o qual conviveu por oito proveitosos anos, revoltou-o sobremaneira. Tratou-se de um dos julgamentos mais estúpidos e injustos da história. Sócrates foi denunciado por “corromper a juventude e desviá-la da adoração aos deuses”. E no que consistia, de fato, esse alegado “delito”?. No de induzir os jovens a pensarem por si sós, com método e constância, em “tudo”, sem assuntos tabus e a não aceitarem dogmas, como absolutas expressões da verdade. Ensinou-os a aceitarem apenas o que comprovassem ser verdadeiro. Defendia, portanto, nada mais, que a liberdade de pensamento. Por causa disso, foi condenado à morte, pela ingestão de um veneno poderoso, ou seja, a cicuta.

Platão chegou a cogitar não mais retornar a Atenas. Felizmente, para a cidade-Estado, mudou mais tarde de idéia. Entre 390 e 388 a.C., decidiu fazer um vasto giro pelo mundo conhecido de então “para se instruir”. Queria conhecer outras culturas e outros comportamentos, para deles extrair lições. Visitou o Egito, a Itália meridional e esteve, em três ocasiões diferentes, na Sicília. Viajar, naquela época, era uma aventura, coisa de maluco, pelas dificuldades e riscos envolvidos. Quando as viagens eram por terra, tinham que ser feitas a pé, ou em lombo de cavalos. Não havia nada que sequer lembrasse uma estrada. Em muitos lugares, não havia nem mesmo rústicas picadas para orientar os viajantes. Além do desconforto, havia o risco de topar com bandoleiros ou de ser aprisionado e vendido como escravo.

Aliás, na primeira viagem que fez à Sicília, Platão passou por essa terrível experiência. Após haver contrariado o tirano local, Dionísio I, foi vendido como escravo. Felizmente, para ele (e para o mundo) foi libertado por um amigo, Anicérides de Cirene, e pôde regressar a Atenas. Se por terra as viagens já eram uma “loucura”, imaginem o que era viajar pelo mar, em precaríssimas embarcações, que hoje não teríamos coragem de usar nem mesmo para um calmo passeio em algum rio manso e suave! Nessas casquinhas de nozes, os navegantes enfrentavam tempestades terríveis, ataques de piratas e outros tantos perigos tão ou mais severos. Os naufrágios eram para lá de comuns. Nessas viagens, destaque-se, Platão escapou não uma e nem duas vezes, mas dezenas delas de morrer, ou de ser morto.

Mas ele era um filósofo, e não um soldado, ou marinheiro, ou comerciante, ou desses aventureiros que marcam seus nomes na história por peripécias arriscadas e malucas. Poderia, pois, se enquadrar no estereótipo, manter-se quieto no seu canto, elucubrando idéias, criando teorias, derrubando dogmas que ninguém o condenaria. Considero uma façanha, quase do tamanho daquilo que nos legou em termos de pensamento, o fato de haver vivido 84 longos e bem vividos anos, em uma época em que uma pessoa era considerada velha, anciã, com meros 40 anos, levando em conta tudo o que passou! Claro que na sequência tratarei da sua fundamental importância para a Filosofia, não só da Grécia Antiga, mas de todos os tempos. Afinal, foi aluno e porta-voz de Sócrates e mestre de Aristóteles, o que, convenhamos, não foi pouca coisa. Por si só, já bastaria para imortalizá-lo.

Platão, sobretudo, foi coerente com o que pregou. Uma de suas lições foi que “o que mais vale não é viver, mas viver bem”. E essa excelência de vida consistia em ter o maior número possível de experiências e extrair, delas, todas as lições possíveis e imagináveis. Afirmou, também, que "vencer a si próprio é a maior de todas as vitórias". E ele, não raro contando com o fator sorte, de fato venceu. Esse é um aspecto desse sábio que poucas pessoas se dão conta ou sequer conhecem. Mas que considero não só memorável, mas fundamental.

Boa leitura.


O Editor.

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