domingo, 29 de maio de 2016

A lei Getúlio Vargas

* Por Joracy Camargo


A "Lei Getúlio Vargas", cujo projeto foi apresentado pelo atual Presidente da República, em 1928, quando S. Exa. era um simples deputado do Rio Grande do Sul, constitui a primeira manifestação de suas idéias em relação aos intelectuais e artistas. Essa lei demonstra que. S. Exa. já naquela época, em que maior era a confusão a que aludimos na introdução deste livro, admitia entre as necessidades nacionais a moralização das relações entre artistas, autores e empresários, e, assim, a consente valorização dessas profissões artísticas, além do necessário desenvolvimento da arte dramática no Brasil. Prova ainda que, como político, estava a salvo de qualquer influência da mentalidade dominante, e revela o amigo dos intelectuais que, mais tarde, como Chefe do Governo, confirmaria a honestidade dos seus propósitos, estendendo as medidas de amparo, vantagens e regalias, a todas as classes incluídas no amplo setor da inteligência.

As intenções do sr. Getúlio Vargas foram, sem dúvida, as mais puras e visavam apenas à melhoria da situação de autores e artistas, quando se sabe que não o poderia mover nenhum intuito eleitoral, ou qualquer outro interesse menos legítimo, senão a própria satisfação de amparar, patrioticamente, duas classes que, até ali, viviam no mais completo abandono por parte dos governos .

Por que razão foi o projeto dessa lei elaborado e apresentado por um deputado gaúcho, quando, sendo o Distrito Federal o maior núcleo de artistas e autores, nunca essa idéia concorrera a um deputado carioca? A explicação é fácil. Muitas vezes os autores e os artistas solicitaram esta medida aos deputados e senadores pela Capital da República, mas sempre em vão, porque nem os governistas, nem os da oposição deram ouvidos aos repetidos apelos. E não deram ouvidos porque, naquela época, os projetos de lei tinha apenas quatro origens: mensagem do Executivo, oposição, "cavação" e formação de eleitorado. Ora, o Poder Executivo nunca se interessou pelos artistas; a situação dessa gente não constituiria na época um forte motivo de oposição; qualquer "cavação" seria impossível, porque os artistas viviam na miséria, e, finalmente, não poderia aquela gente constituir um bom grupo de eleitores, porque os artistas, perante a lei, eram autênticos vagabundos, desclassificados, sem personalidade jurídica, e, por conseqüência, não podiam alistar-se!

Prova-se, assim, mais uma vez, que o deputado Getúlio Vargas foi apenas inspirado pela sua nítida compreensão dos deveres do Estado para com os artistas.

Foi essa a sua primeira manifestação, como membro de um dos poderes públicos, em favor das classes intelectuais. Sabe-se que S. Excia. ficara perplexo ao ser informado da situação da gente do teatro, situação que refletia o lamentável estado de pobreza em que vivia o teatro nacional, que representava, justamente, uma das artes que mereciam os maiores cuidados dos governos em todos os países civilizados. Nossos artistas não tinham a menor garantia no exercício da penosa profissão, que exige, além de enormes sacrifícios, uma vida mais ou menos estável para o necessário desenvolvimento de suas faculdades. Os autores, por sua vez, eram espoliados nos seus direitos autorais, produzindo, conseqüentemente, sem o menor estímulo. O deputado gaúcho, ao saber disso, estudou, espontaneamente, a situação em todos os pormenores e elaborou a lei que até hoje regula e protege o exercício das duas profissões, primeira lei brasileira de proteção aos artistas, de proteção a toda uma coletividade de infatigáveis trabalhadores que ainda não faziam parte, do ponto de vista jurídico, da comunidade social do seu país. Eram verdadeiros párias saltimbancos desprezíveis que os monarcas e os presidentes da República aplaudiam nos espetáculos de gala, mas que viviam, como os criminosos, fora da lei.

Não existindo nenhum ponto de referência para o preparo do projeto, deve-se pôr em relevo o esforço e a inteligência empregadas pelo seu autor, principalmente quando se sabe que transformado integralmente em lei, nenhum dos dispositivos do projeto suscitou até hoje modificações, nem surgiram casos omissos.

A "Lei Getúlio Vargas", que deu personalidade jurídica aos atores e atrizes, como todos os trabalhadores de teatro, não só regula a organização das empresas de diversões e de locação de serviços teatrais, como ampara os direitos de autor, ampliando regalias, criando obrigações, estabelecendo vantagens, enfim, prescrevendo medidas e determinando providências em favor da prioridade artístico-literária.

Nessa mesma lei foram igualmente contemplados os músicos, executantes e compositores.

Vejamos agora as vantagens e regalias estabelecidas na "Lei Getúlio Vargas" (decreto nº 5.492, de 16 de julho de 1928) em prol dos artistas e autores dramáticos. Desde logo, em seu artigo I, determina que as empresas que se constituírem para a realização de espetáculos públicos, com fim lucrativo, qualquer que seja o gênero de diversões permitidas e a forma de organização, fiquem sujeitas às disposições do Código Comercial e leis complementares. E no artigo II inclui, entre os artistas que devem ser amparados, não só autores e músicos, mas ainda cenógrafos, bailarinos, diretores de cena, ensaiadores, coristas e cançonetistas, além do pessoal auxiliar. Em seguida, torna obrigatório o contrato de locação de serviços, responsabilizando ainda as empresas pelos acidentes de que forem vítimas os artistas, durante a execução do contrato. Dentre outras medidas acauteladoras dos direitos dos artistas, estabelece ainda que estes têm penhor legal sobre o material cênico da empresa.

Na parte referente ao direito autoral, estende as disposições do artigo II e seguintes, do decreto nº 4.790, de 2 de janeiro de 1924, a todas as composições musicais e peças de teatro, executadas, representadas ou transmitidas pela radiotelefonia, com intuito de lucro, responsabilizando os proprietários ou empresários de quaisquer estabelecimentos de diversões, salões de concertos ou festivais, pelos direitos autorais das produções realizadas!

No capítulo da fiscalização dos direitos de autor, a "Lei Getúlio Vargas" chega a estabelecer uma situação de privilégio para o escritor teatral, cometendo essa tarefa às autoridades incumbidas da própria fiscalização dos espetáculos, determinando que a sua realização dependa de prévia aprovação dos programas, e de registro dos contratos firmados entre autores e empresários. Desses contratos deverão constar os nomes do autor e do empresário, o título da obra, o local da representação, o valor dos direitos autorais, a forma de pagamento e o mínimo de récitas ajustadas.

Como se vê, não poderia ser mais completa e eficiente a projeção que essa Lei dispensa aos artistas e autores teatrais, Lei que, num movimento espontâneo de gratidão, os artistas e autores resolveram chamar de "Getúlio Vargas". E foram tão rápidos e numerosos os benefícios colhidos, quer pelos artistas, quer pelos autores e, afinal, também pelo próprio Teatro Nacional, que muito antes de chegar à Presidência da República, o sr. Getúlio Vargas conquistava no coração e na consciência da gente de teatro de todo o Brasil o título de "o maior amigo do teatro brasileiro".

E se esse título porventura não estivesse suficientemente justificado pela lei que tem o seu nome, outras justificativas viriam, como vieram, confirmá-la plenamente.

Em 1937, na Lei nº 378, de 13 de janeiro, que reformou o Ministério de Educação, o Presidente Vargas surpreendeu, mais uma vez, a classe teatral criando o primeiro órgão de administração pública para tratar exclusivamente de estabelecer novas e melhores condições de vida para o teatro nacional.

Empenhava-se, então, o Presidente em dar ao teatro as possibilidades de uma existência autônoma, e instituiu a Comissão Permanente de Teatro Nacional, composta de atores, autores, compositores e escritores, sob a presidência do ministro da Educação. A nova instituição promoveu o estudo de todas as questões ligadas à economia do nosso teatro, amparou iniciativas de artistas, realizou espetáculos, premiou obras teatrais, e apresentou sugestões que, afinal, resultaram na criação do Serviço Nacional de Teatro, departamento definitivamente incorporado às contribuições do Ministério da Educação e que, a meu ver, veio solucionar a velha questão do teatro nacional. Dotado dos poderes necessários e de boas verbas orçamentárias, o Serviço Nacional de Teatro deu um extraordinário desenvolvimento às atividades do teatro em todo o Brasil, realizando, ao mesmo tempo, o levantamento do nível cultural da arte dramática, e a melhor obra de assistência social, pois que deu trabalho a todos os artistas e trabalhadores de teatro.

A criação do Serviço Nacional de Teatro, para os artistas e escritores de teatro foi considerada, justamente, como o último favor que poderiam eles receber do Presidente Vargas. E assim, quando já nada mais se esperava, senão que os próprios artistas, autores e empresários se desdobrassem para ampliar os efeitos das providências determinadas por intermédio daquele órgão, surgem ainda, e espontaneamente, na lei que criou e organizou o Departamento de Imprensa e Propaganda, novas concessões ao teatro, como a universalização da censura teatral, que isenta as peças de qualquer outra censura ou pagamento de novas taxas.

Fica assim comprovado e documentado o interesse que sempre demonstrou o sr. Getúlio Vargas pelas classes teatrais, pelos autores, pelos artistas, como também pela própria cultura popular, que vem encontrando no teatro um dos fatores mais eficientes.

(Getúlio Vargas e a inteligência nacional, 1940)


* Jornalista, cronista, professor e teatrólogo, membro da Academia Brasileira de Letras.

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Para o povo ingênuo. Vargas era conhecido através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), como “pai dos pobres” e em seus comícios tinha como slogan: “Trabalhadores do Brasil”. Época em que todos se queixavam da carestia, pois tudo era caro mesmo. Presos torturados e espancados nas Chefaturas de Polícia por ordem do então capitão do Exército o perverso Filinto Müller. Outrossim, militares baianos queimaram em praça pública, a mando de Getúlio Vargas, centenas de livros de Jorge Amado!!!

    ResponderExcluir