Beleza e bondade
As pessoas costumam associar
(erroneamente) o belo ao bom e, por conseqüência, o feio ao mau. Neste mundo de
aparências, a beleza tem sido supervalorizada, sublimada, perseguida, colocada
por muitos como uma espécie de ideal, mesmo sendo transitória. Diríamos até que
ela é "virtual", para usar expressão tão em voga, uma espécie de
ilusão, de fantasia da mente, de delírio. Afinal, restringe-se a um determinado
tempo, curtíssimo por sinal.
Uma pessoa bonita não se livra dos
efeitos transformadores dos anos. E estes, salvo na passagem da infância para a
adolescência e às vezes desta para a maturidade, nunca são para melhor.
Representam desgaste, decadência, envelhecimento. E, por conseqüência,
sofrimento. Quanto mais bela é uma pessoa quando jovem, maior será sua
frustração quando envelhecer, murchar, fenecer.
Uma pele sedosa em pouco tempo enche-se
de rugas, por exemplo. Olhos claros e cristalinos turvam-se com a idade e são
emoldurados por olheiras. Dentes brancos e perfeitos ficam muitas vezes
cariados, ou amarelados pela nicotina (para quem fuma) ou caem se a pessoa não
cuidar. Cabelos negros, ou loiros ou ruivos branqueiam com os anos. Fartas
cabeleiras transformam-se em calvície. O inverso, obviamente, nunca ocorre. A
beleza humana, pelo menos nos padrões vigentes, é transitória, ilusória e
fugaz.
No terreno da arte acontece o mesmo.
Textos considerados maravilhosos no início do século são vistos hoje como
empolados, vazios, piegas. Os padrões estéticos variam ao sabor dos modismos.
Tais variações atingem, indistintamente, literatura, artes plásticas,
escultura, música, etc. Talvez os chamados "clássicos" consigam
escapar, embora nem todos. Só a natureza, quando deixada quieta, sem que o
homem busque interferir no seu curso, consegue se conservar sempre bela.
O escritor argentino José Bianco
escreveu, em um de seus romances, na boca de um personagem: "A beleza
natural renova o assombro que nos causa e o prazer que suscita em nós...
talvez... seja superior a tudo. A diferença entre a natureza e uma música, um
poema, um quadro, uma escultura é que ela nunca nos deixa cansados".
Essa noção de que a aparência é
enganosa todos temos em nosso íntimo, repousa na memória coletiva, tem sido
transmitida de geração para geração, embora teimemos em não atentar para ela.
Se o belo fosse automaticamente bom Lucifer não seria o demônio. Afinal, dizem
os dogmas cristãos, era o anjo de maior beleza da corte celestial, quando a
Terra ainda não existia e, portanto, nem o homem com seus desejos e ilusões,
"no princípio dos tempos". No entanto, desse ser revestido de luz,
esteticamente perfeito, brotaram as raízes da maldade, da perfídia, da soberba
e da traição.
A literatura tem um contraponto para
esse caso, na figura do personagem Quasimodo, o "Corcunda de Notre
Dame", de Victor Hugo. Tratava-se de um ser disforme, asqueroso, caricato
e ridículo na aparência (como o concebeu o escritor francês) e tinha plena
consciência disso.
Mas apesar da sua monstruosidade
física, foi capaz de cultivar um amor ilimitado, total, absoluto e sem
esperança, o "que tudo dá e nada pede", pela cigana Esmeralda. Era
tão profundo esse sentimento a ponto dele sacrificar o bem mais precioso que
qualquer vivente tem, a vida, pela amada. "Ora, isto é ficção", dirão
os cépticos. Será que pessoas assim existem só na mente dos escritores? Se
forçarmos a memória, a maioria de nós conseguirá lembrar de algum
"Quasimodo" na vizinhança de nossa casa. Alguns de nós, quem sabe,
até somos um (tendo ou não consciência).
Neste mundo tão complicado, por outro
lado, há quem duvide que exista homem bom. Bondade absoluta, assim como
maldade, beleza, feiúra, etc. totais não há mesmo. Existem graduações do ao
redor do zero até os limites do infinito. De todos os indivíduos que já tiveram
o privilégio de viver, a natureza não fez dois que fossem absolutamente iguais.
Parecidos houve milhões. A igualdade, no entanto, jamais chegou a ser atingida
em lugar ou tempo algum.
O norte-americano Roger J. Williams
explica da seguinte maneira essas diferenças: "Um grupo de pessoas é algo
assim como uma coleção de bolas de gude de todos os tamanhos e composições e de
todas as cores do arco-íris. Tentem tirar a média dessas bolas, e o resultado
será puro disparate. Tentem tirar a média de sua cor montando-as em um disco e
fazendo-o girar rapidamente. A cor resultante será um cinza sujo".
Exatamente isso, sem tirar e nem pôr.
E Williams prossegue: "Entretanto,
não há uma bola cinza sujo em toda a coleção! As pessoas são tão diferentes
como as bolas de gude, e, quando tentamos tirar uma média delas, acabamos por
obter um homem cinza sujo. A média, quando aplicada a pessoas deste modo
descuidado pode ser falha, pois nós somos espécimes ímpares".
Esse raciocínio foi feito quanto à
aparência. Vale também, no entanto, quando se trata de bondade. Se
representarmos esse conceito por cores e tentarmos tirar a média, o resultado
será exatamente o mesmo: cinza sujo!.
E ninguém ousaria classificar um São
Francisco de Assis, uma Madre Tereza de Calcutá ou uma Irmã Dulce nessa
categoria. Muito menos um Nero, um Calígula, um Hitler e tantos e tantos outros
monstros do passado ou do presente, conhecidos ou anônimos, atuantes ou com a
maldade apenas latente à espera de oportunidade para se manifestar.
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A ligação da feiura com a maldade é ensinado para as crianças. O equívoco acontece por toda a vida.
ResponderExcluir