Retrato
do dono
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor e diplomata português,
Antero Figueiredo, escreveu, em um dos seus 13 livros publicados (não me lembro
qual), que “a casa é o retrato do seu dono”. Concordo. Vou mais longe e afirmo,
sem medo de errar: “mostre-me onde e como você mora e lhe direi quem você é”.
Não é preciso residir em uma
moradia de luxo, claro, para ressaltar aspectos positivos da personalidade do
morador. Visitei vários barracos de favela, mambembes, pra lá de toscos, mas
que no seu interior encontrei limpeza, ordem e até criatividade na decoração.
Havia cortinas feitas de sacos de pão, limpinhas e bem-elaboradas, toalhas
bordadas na mesa rústica feita de tabuas de caixote, gravuras recortadas de
revistas enfeitando as paredes e outras tantas coisas mais, além do chão
rigorosamente limpo, embora de terra batida.
Claro que esse está longe de ser
o perfil desse tipo de moradia (diria “esconderijo”). Muitos (diria a maioria)
aliam relaxo à miséria. Isso reflete, sobretudo, não somente absoluta carência
de condições econômicas mínimas, mas falta de educação no sentido lato do
termo.
Em contrapartida, estive em
algumas mansões em que o desmazelo era visível por todos os lados. As paredes
estavam manchadas ou descascadas, os tapetes empoeirados, os lustres sujos etc.
“Isso é culpa dos empregados”, dirão alguns. Concordo, mas só em parte. Também é dos
donos, acrescento, que não fiscalizam o que ocorre em suas próprias casas.
Para pôr um pouquinho de
“pimenta” nestas considerações, recorro a outro escritor português, Carlos
Malheiros Dias, que escreveu, a propósito: “Como os ninhos, que são a casa da
ave, e que todos diferem consoante a ave que a fabricou e o habita, a casa do
homem reproduz com fidelidade a vida, a ocupação, o caráter, o sentimento dos
moradores. Toda a casa tem, como os donos, uma fisionomia especial, que as
gerações lhe imprimiram”.
Peço licença para abrir um
parêntese e trazer algumas informações sobre essa figura pitoresca, que poucos
hoje em dia conhecem, mas que foi alvo de grande polêmica em fins do século XIX
e início do XX. Carlos Malheiros Dias nasceu em Portugal, mas tinha grande
identificação com o Brasil. O pai era português, mas a mãe brasileira. Além de
escritor, foi jornalista e historiador, tendo fundado a Academia Real de
História Portuguesa.
Em fins do século XIX, mudou-se
para o Rio de Janeiro. Ali, fundou, e dirigiu por muitos anos, uma publicação
que viria a se tornar famosa sob o comando de Assis Chateaubriand, a revista “O
Cruzeiro” (pouquíssimos se lembram que ele foi, de fato, seu fundador). Mas a
polêmica não se deu com esse importante órgão de imprensa.
Deu-se com seu primeiro livro, “A
Mulata” (lançado em 1896), romance naturalista, sobre o baixo mundo do Rio de
Janeiro, tendo como principal personagem uma prostituta. Foi um escândalo na
época. Os moralistas, dedo em riste, investiram furiosamente contra o autor,
argumentando que este detratava a então já “Cidade Maravilhosa”. Agiam como se
a então capital federal não tivesse desníveis sociais profundos (como tem, até
em maior grau, nos dias atuais), miséria, corrupção, violência, degradação etc.
A crítica, na época, recebeu,
portanto, com extrema hostilidade essa obra. Alguns críticos, mais ferozes (ou
mais burros, diria) chegaram a classificá-la de “infame” e de “enxurrada de
lama”. Como se vê, imbecilidade e estupidez não são, nunca foram e nem serão
prerrogativas exclusivas dos dias de hoje.
Mas, voltemos ao tema que nos
importa. A casa em que moramos reflete, de fato, nossa personalidade, condição
econômica, posição social e até estado de espírito. Caso resida, por exemplo,
em um barraco, é evidente que não tenho recursos para adquirir (ou alugar)
moradia melhor. Por outro lado, esse fato pode indicar (também) que sou pessoa
despojada, que pouco ou nada se importa com bens materiais, voltada
exclusivamente para as “coisas do espírito”. É raro, mas pode acontecer.
Conheci escritores que viviam de
forma espartana, mesmo contando com recursos financeiros para morar melhor. Mas
em sua moradia havia ordem, disciplina e limpeza. Por toda a parte, viam-se
indicações enfáticas de sua grande paixão: livros e mais livros em profusão. Ademais ,
simplicidade não é e nunca foi sinônimo de desleixo, desmazelo, falta de
higiene e outras tantas faltas mais. Como se vê, o tema é fascinante e prometo
voltar a abordá-lo oportunamente.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Se a casa mostra exatamente quem a pessoa é, o que dizer das suas companhias?
ResponderExcluir