quinta-feira, 20 de março de 2014

Tarde demais 24 – Confissão

Por Gustavo do Carmo

Entrou na igreja. Acomodou-se no confessionário e começou a lamúria.
—Padre, eu fiz faculdade de comunicação com um rapaz e o esnobava um pouco. Ele não era muito interessado em mim, mas em outra colega nossa. Só que acredito que se eu desse confiança, ele se apaixonava por mim.

Laura  deu uma pausa e o padre ficou quieto. Então continuou.
—Nossas turmas se separaram, fizemos matérias diferentes, nos formamos e perdemos contato. Eu namorei um colega nosso da faculdade, mas larguei dele porque o cara era chato demais como comunista e ainda me traiu com outra mulher. Na cerimônia de formatura, levei o meu novo namorado para provocar o meu ex e o Narcélio, esse tal rapaz que eu estou falando, não parava de me olhar com cara feia.

Nova pausa, novo silêncio do padre no confessionário. Laura continuou.
— Ficamos um tempão afastados, mas uns cinco anos depois o Narcélio me procurou por e-mail, dizendo que tinha carinho por mim e que eu fui a primeira pessoa com quem ele conversou na faculdade. Respondi e em seguida batemos um papo pelo chat da internet. Mas aquele meu namorado da formatura, promovido a noivo, ficou com ciúmes e mandou eu me afastar dele. O Narcélio me mandou e-mail perguntando por que eu sumi e respondi com quatro pedras na mão. O Narcélio acabou sendo o culpado pelo meu rompimento. Depois fiquei com pena e mandei uma dica de vaga para jornalista automotivo, que ele gosta tanto. Ele me respondeu agradecendo, mas depois não me procurou mais. Ainda pedi umas dicas de sites de carros e ele me respondeu. Foi a última vez que o procurei.

Laura suspirou e finalmente confessou.
— Depois de vinte anos, um namorado, um noivo, dois maridos e dois filhos, descobri que eu nunca tirei o 
Narcélio da cabeça. Estou apaixonada por ele. Padre, é pecado eu me apaixonar por ele tarde demais?
— Só considero pecado você ter destratado esse tal de Narcélio. Vai lá no altar e reze vinte ave-marias, vinte pai-nossos e está perdoada.
— Obrigada padre. Ei! Estou reconhecendo essa voz. É você, Narcélio???

Narcélio abriu a cortina e se revelou, barrigudo e de cabelos grisalhos, para a ex-colega de faculdade, que ainda era bonita, mas estava fora de forma e com algumas rugas.
— Sim. Sou eu. É tarde demais para se declarar a mim porque eu virei padre. Depois de tantas frustrações com mulheres e emprego, resolvi entrar para o sacerdócio. Agora vai lá cumprir a sua penitência. Próxima.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores


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