sábado, 15 de março de 2014

A poetisa que veio do frio

* Por Clóvis Campêlo

É duríssima a tarefa de meter a colher nos textos alheios. Ainda mais quando não se é convidado. Mas, alimentado pela curiosidade que move montanhas, arrisco-me a trilhar o caminho quente que me aponta o vento frio vindo do sul – talvez o minuano.

A curiosidade existia até mesmo antes do carteiro chegar e o meu nome gritar com o livro na mão. E embora o seu título – Requiém – sugerisse um canto triste de celebração à vida que já se fora, sigo o caminho vivo que se oferece, pois é caminhando que se faz a caminhada.

Descubro surpreso que, na verdade, o que a poetisa canta é a vida fluindo. E mesmo exaurindo-se nesse fluir, é chama intensa a queimar o seu combustível. O livro nada mais é do do que a constatação de que a vida plena é mesmo aquela que precisa ser consumida para manter o caminho aceso e transitável. Não há outra possibilidade. Mesmo podendo exercer a contestação cósmica, necessita o poeta da vida para construir/consumir as suas visões e proposituras.

Nos seus versos, entende a poetisa que a transitoriedade da vida sempre esbarra na mutação final da morte libertadora, mesmo que seja para cair em outra situação que ainda seja incógnita, mas novidade.

Assim é a pedra de alma inquieta que rola, rola e se desmancha, ou o mundo, que num ímpeto libertário, solta-se da sua mão, escorrega no escuro, e num deserto furo (buraco negro?), lá se vai, lá se vai.

Em outro poema curtíssimo, hai-kai transfigurado, ordena à vida que fuja e que se esconda, pois que a morte ruge e urge.

No poema Visões, a poetisa exercita ao máximo o seu tom contestatório, expondo as contradições do discurso vazio do homem moderno, cujas ações e atitudes jogam por terra a redundância das máximas inúteis e contrariadas.

Em outro poema, Requiém, o qual serve para intitular o livro, fala das dores das esperas inúteis, muito embora deixe também transparecer que sempre haverá um recomeço e uma nova esperança a ser exercitada. No bojo da transitoriedade do presente, o futuro reabilitará o passado sempre e as dores outonais diferenciam-se de todas as outras dores da vida, pois que o outono nada mais é do que uma síntese amadurecida dos tempos vividos.

Na fotografia da contracapa do livro, aliás, a poetisa parece procurar no infinito os vestígios do que definitivamente já se foi, passado a se metamorfosear em futuro. Nem mesmo parece querer observar as notícias do mundo que ainda existe e que estão estampadas nas primeiras páginas dos jornais iluminados pelo sol da manhã na banca de revistas por detrás de si.

Eliane Triska, a poetisa que veio do frio, nasceu em Porto Alegre, em 1953, mas o mar da vida a levou para Canoas, cidade situada a pouco mais de 13 quilômetros da capital gaúcha, numa região anteriormente habitada pelos índios Tapes. É de lá, da sua aldeia, que emite os poemas sinceros que compõem o livro recém-lançado.

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:


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