terça-feira, 25 de março de 2014

Reflexões de um escritor fascinante

O escritor português, José Saramago, fascina-me por sua irreverência, por suas opiniões (digamos) não convencionais e, sobretudo, por certo nihilismo intelectual, que ele não pôde, ou não quis, dissimular. Admito: a leitura de seus livros é tarefa um tanto complicada, que exige muita concentração e autodisciplina. A maioria que afirma ter lido algum deles de fato não o leu. Isso, essa mentira, é fácil de desmascarar, com duas ou três perguntas estratégicas. Li, somente, três de seus livros e essa leitura foi um exercício de paciência digno de Jó. Mas senti-me plenamente recompensado.

A maior parte das idéias de Saramago colhi, em forma de aforismos, em um site português, a que recorro com assiduidade, quando quero alguma citação de determinado escritor para refletir em torno. Nem sempre tenho tempo para colhê-la na fonte, nos livros do autor escolhido, em minha caótica biblioteca. O site em questão, “O Citador”, poupa-me o trabalho e o efeito, no final das contas, é o mesmo. Claro, quando quero contextualizar o que o escritor escolhido escreveu, não tem jeito. Sou forçado a levantar peso, a tirar uma infinidade de livros do lugar à cata da obra específica e a “alimentar”, de quebra, minha alergia, comendo um bocado de poeira. E essa se junta em profusão em papeis velhos. Nunca vi!!! Mas... deixa pra lá!

Nem todas as citações requerem contextualizações. Daí dar o valor que dou ao “O Citador”, ao qual recorro em momentos de apuros, que são mais freqüentes do que o leitor possa imaginar. No referido site português encontrei, para meu deleite, 397 aforismos de José Saramago. Muitos eu já havia assinalado em seus livros e copiado na agenda que destino a esse fim. A maioria, porém, para mim, é novidade. É sobre algumas dessas citações que o convido, amável leitor, a me acompanhar em comentários sem compromisso, alguns (não sei se a maioria) óbvios e outros tantos que talvez sejam originais.

A primeira que me chamou, em particular, a atenção, é a que se refere a arrependimento, ou mais propriamente, a não arrependimento. O escritor português escreveu, a propósito: “Se eu pudesse repetir minha infância, a repetiria exatamente como foi, com a pobreza, com o frio, pouca comida, com as moscas e os porcos, tudo aquilo”. Da minha parte, eu não repetiria essa fase da minha vida, mesmo não sendo tão dramática como a de Saramago. Mudaria muita coisa: aproveitaria melhor o que não aproveitei devidamente, faria diferente muito do que fiz e que me induziu a erros. Enfim, faria para mim outra infância, quem sabe a ideal. E você, caro leitor? Daria um replay ou faria tudo diferente?

Com a citação seguinte, das que escolhi, concordo sem por o mínimo reparo. Trata-se de uma constatação que já fiz e que até comentei com vocês. Saramago observou: “Sente-se uma insatisfação, sobretudo dos jovens, perante um mundo que já não oferece nada, só vende”. Do jeito que as coisas andam, qualquer dia desses teremos que pagar por um “bom dia”, dado pela mulher, empregada, chefe, colega de trabalho ou por qualquer outra pessoa. Não é por acaso que há tanta insatisfação no ar, mesmo que difusa, cuja causa não conseguimos expressar.

A citação seguinte vem a calhar. Diz: “Nem as vitórias nem as derrotas são definitivas. Isso dá uma esperança aos derrotados e deveria dar uma lição de humildade aos vitoriosos”. Infelizmente, não dão. Os que vencem, seja lá no que ou sobre quem, acham que a vitória, não raro pífia e sem importância, é definitiva e sem reversão. Salvo exceções, raramente é. Grande Saramago! O escritor, único de língua portuguesa a conquistar um Nobel de Literatura, era cético em relação à bondade e até à racionalidade humana. Isso fica claro nesta afirmação: “É evidente: a maldade, a crueldade são inventos da razão humana, da sua capacidade para mentir, para destruir”. E torna-se reforçado por este aforismo: “O homem é cruel, sobretudo em relação ao homem, porque somos os únicos capazes de humilhar, de torturar e fazemos isso com uma coisa que deveria ser o contrário, que é a razão humana”. E não é?!!!

Finalmente, para encerrar estas reflexões sem compromisso, que certamente não se incluirão entre minhas obras-primas, selecionei duas outras citações de Saramago para se constituírem numa espécie de “grand finale”. A primeira, refere-se à palavra que, no seu entender, é a mais necessária nestes tempos de tamanha permissividade e a segunda, sobre qual é, no seu entender, o órgão a que deveríamos dar maior atenção. Vejam se ele não tem razão. Saramago afirmou: “A palavra mais necessária nos tempos em que vivemos é a palavra não. Não a muita coisa, não a uma quantidade de coisas que eu me dispenso a enumerar”. E é preciso fazer essa enumeração? Claro que não!

Finalmente, a citação que reproduzo para encerrar estas insólitas reflexões, é esta: “Acho que damos pouca atenção àquilo que efetivamente decide tudo em nossa vida, ao órgão que levamos dentro da cabeça: o cérebro. Tudo o que estamos dizendo aqui é um produto dos poderes e das capacidades do cérebro: a linguagem, o vocabulário mais ou menos extenso, mais ou menos rico, mais ou menos expressivo, as crenças, os amores, os ódios, Deus e o diabo, tudo está dentro da nossa cabeça. Fora da nossa cabeça não há nada”. E por acaso há?

Boa leitura.

O Editor

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Um comentário:

  1. Quando viro a cara e não olho, aquilo já não existe mais. Certo, Saramago. Lê-lo é um porre. Tenho dois livros aqui e li um. Foi "Levantado do chão". Fala da miséria dos camponeses portugueses, de fazer páreo cabeça a cabeça com os do norte de Minas. Quem diria? A perseguição a eles, explicita bem o que vem a ser a maldade humana, mostrada através de tortura e muitas poças de sangue. O que venha mais Saramago!

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