Os manuais de redação (e estilo)
* Por
Urariano Mota
Via de regra, e nos perdoem os conhecedores do chavão, via de regra os
manuais de redação prometem tudo. “Auxiliar as pessoas a escrever com fluência,
respeitando as regras da língua portuguesa e, ao mesmo tempo, adotando o tom
coloquial que facilita o entendimento da linguagem escrita por parte de todos
os que são levados a ler textos, independente de escolaridade ou
especialização”, independente de qualquer cuidado, promete-nos um deles. Com
tais maravilhas, se prometessem um tapete voador, prometeriam menos.
Os manuais de redação da grande imprensa, porque mais preciosos e utópicos, na maioria se chamam de Redação e Estilo. O manual de O Estado de São Paulo dispõe que o redator seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. O da Folha de São Paulo não muda muito, nessa cadeia de cópia que os manuais possuem, como se fossem dicionários: o texto, determina a Folha, deve ser claro e direto, exato e conciso. O de Redação e Estilo Dad Squarisi, talvez o mais completo em sua pretensão, ensina que a frase em voz passiva “fica frouxa, flácida e desbotada. Melhor partir pra ativa. Ela é mais direta, vigorosa e concisa que a passiva”. E mais não cito, porque não tenho scanner, esse estrangeirismo. Pero espanholismos e conjunções antigas me socorram: a superioridade da voz ativa sobre a passiva é uma burrice repetida há gerações em periódicos daqui e do exterior.
Imaginem algo como “O rio passa a cidade como um cachorro passa por uma rua”. Banal, não? Agora mudem: “A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro”. A superioridade, que há, reside agora na voz passiva. Temos um pensamento luminoso de poesia na segunda expressão. E o motivo não reside na referência a um poema, que na prosa, que na comunicação, nos jornais, seria diferente. A razão é outra.
Acompanhem, por favor: quando dizemos, ou queremos dizer algo, selecionamos o que merece ênfase, o que deve avultar diante dos ouvidos e do espírito de quem nos lê e ouve. Quando alguém escreve, ou diz, “Aquela mulher foi amada por mim”, ele quer apontar, dar ênfase àquela mulher, aquela mesma, que recebeu o seu amor. Seria diferente, aos ouvidos e alma do ouvinte, se ele dissesse, “Eu amei aquela mulher”. Nesse caso, o infeliz, em voz ativa, chamaria a atenção para a própria pessoa.
É claro que em muitos casos a voz ativa é melhor, e mais adequada, e mais eloqüente que uma construção passiva. O que não se pode, e aí e aqui e lá repete-se a burrice universal, é tornar absoluto um modo e nuança de expressão. Se as pessoas, se os redatores escrevessem com o apertar de um botão, como se máquinas fossem, well and y bueno, os verbos somente seriam escritos na voz ativa, porque mais estúpido e mais simples.
As exigências para o estilo, não somente neste, mas em todo e qualquer manual normativo, terminam por ser um puro ato de arbítrio. Os manuais de redação orientam, desorientam, recomendam, determinam que o estilo deve ter clareza, clareza e clareza, mas, claro, jamais conseguirão o impossível, abrir a porta que nos leve a esse reino de luz. Como não conseguem tamanha impossibilidade, tacam regras, pagam regras. Como aqui, em Dad Squarisi: “O termo mais curto (com menor número de sílabas) deve preceder o mais longo”. Em dó menor suspiraram? Há mais: “Outro aliado da harmonia é o truque do três. Ninguém sabe por quê. Mas trios bajulam os ouvidos. Pai, Filho e Espírito Santo formam a Santíssima Trindade. Liberdade, igualdade e fraternidade são os lemas da Revolução Francesa...”, e como ela nada diz dos Dez Mandamentos, de Ordem e Progresso, de Pão e Circo, acrescenta três exemplos, dos quais cito a desarmonia de um : “Vamos trabalhar com afinco, vontade e competência”.
Imaginem os leitores o pobre do repórter na hora augusta e angustiosa do texto, na urgência miserável da hora, enquanto soam as trombetas da madrugada na redação. Como escrever, por onde ir na selva escura do três? E uma férula, e uma fera, e um chicote da editora a brandir, clareza, clareza e clareza. Voz ativa, senhores, frase curta, meninos, forma positiva, senhoras, verbos de dizer não são verbos de sentir, senhoritas. Se alcançam semelhante quadro,
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Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Crítica original, considerando que há regras impossíveis de serem seguidas. Terminou em vírgula, parecendo faltar alguma coisa. Veja aí, Pedro, por favor.
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