sexta-feira, 14 de março de 2014

Os manuais de redação (e estilo)

* Por Urariano Mota

Via de regra, e nos perdoem os conhecedores do chavão, via de regra os manuais de redação prometem tudo. “Auxiliar as pessoas a escrever com fluência, respeitando as regras da língua portuguesa e, ao mesmo tempo, adotando o tom coloquial que facilita o entendimento da linguagem escrita por parte de todos os que são levados a ler textos, independente de escolaridade ou especialização”, independente de qualquer cuidado, promete-nos um deles. Com tais maravilhas, se prometessem um tapete voador, prometeriam menos.

Os manuais de redação da grande imprensa, porque mais preciosos e utópicos, na maioria se chamam de Redação e Estilo. O manual de O Estado de São Paulo dispõe que o redator seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. O da Folha de São Paulo não muda muito, nessa cadeia de cópia que os manuais possuem, como se fossem dicionários: o texto, determina a Folha, deve ser claro e direto, exato e conciso. O de Redação e Estilo Dad Squarisi, talvez o mais completo em sua pretensão, ensina que a frase em voz passiva “fica frouxa, flácida e desbotada. Melhor partir pra ativa. Ela é mais direta, vigorosa e concisa que a passiva”. E mais não cito, porque não tenho scanner, esse estrangeirismo. Pero espanholismos e conjunções antigas me socorram: a superioridade da voz ativa sobre a passiva é uma burrice repetida há gerações em periódicos daqui e do exterior.

Imaginem algo como “O rio passa a cidade como um cachorro passa por uma rua”. Banal, não? Agora mudem: “A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro”. A superioridade, que há, reside agora na voz passiva. Temos um pensamento luminoso de poesia na segunda expressão. E o motivo não reside na referência a um poema, que na prosa, que na comunicação, nos jornais, seria diferente. A razão é outra.

Acompanhem, por favor: quando dizemos, ou queremos dizer algo, selecionamos o que merece ênfase, o que deve avultar diante dos ouvidos e do espírito de quem nos lê e ouve. Quando alguém escreve, ou diz, “Aquela mulher foi amada por mim”, ele quer apontar, dar ênfase àquela mulher, aquela mesma, que recebeu o seu amor. Seria diferente, aos ouvidos e alma do ouvinte, se ele dissesse, “Eu amei aquela mulher”. Nesse caso, o infeliz, em voz ativa, chamaria a atenção para a própria pessoa.

É claro que em muitos casos a voz ativa é melhor, e mais adequada, e mais eloqüente que uma construção passiva. O que não se pode, e aí e aqui e lá repete-se a burrice universal, é tornar absoluto um modo e nuança de expressão. Se as pessoas, se os redatores escrevessem com o apertar de um botão, como se máquinas fossem, well and y bueno, os verbos somente seriam escritos na voz ativa, porque mais estúpido e mais simples.

As exigências para o estilo, não somente neste, mas em todo e qualquer manual normativo, terminam por ser um puro ato de arbítrio. Os manuais de redação orientam, desorientam, recomendam, determinam que o estilo deve ter clareza, clareza e clareza, mas, claro, jamais conseguirão o impossível, abrir a porta que nos leve a esse reino de luz. Como não conseguem tamanha impossibilidade, tacam regras, pagam regras. Como aqui, em Dad Squarisi: “O termo mais curto (com menor número de sílabas) deve preceder o mais longo”. Em dó menor suspiraram? Há mais: “Outro aliado da harmonia é o truque do três. Ninguém sabe por quê. Mas trios bajulam os ouvidos. Pai, Filho e Espírito Santo formam a Santíssima Trindade. Liberdade, igualdade e fraternidade são os lemas da Revolução Francesa...”, e como ela nada diz dos Dez Mandamentos, de Ordem e Progresso, de Pão e Circo, acrescenta três exemplos, dos quais cito a desarmonia de um : “Vamos trabalhar com afinco, vontade e competência”.

Imaginem os leitores o pobre do repórter na hora augusta e angustiosa do texto, na urgência miserável da hora, enquanto soam as trombetas da madrugada na redação. Como escrever, por onde ir na selva escura do três? E uma férula, e uma fera, e um chicote da editora a brandir, clareza, clareza e clareza. Voz ativa, senhores, frase curta, meninos, forma positiva, senhoras, verbos de dizer não são verbos de sentir, senhoritas. Se alcançam semelhante quadro,

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.



Um comentário:

  1. Crítica original, considerando que há regras impossíveis de serem seguidas. Terminou em vírgula, parecendo faltar alguma coisa. Veja aí, Pedro, por favor.

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