sexta-feira, 28 de março de 2014

Juízos sem fundamento

O leitor já notou o quanto as pessoas são afoitas em julgar, em formar opinião a propósito de alguém, ou de algum fato, com base em conhecimento superficialíssimo a respeito, e, não raro, sem nenhuma? Não vou ao extremo de afirmar que “todos” ajam assim, porquanto isso seria uma generalização e detesto generalizar. Contudo, suspeito que ninguém escape desse nefasto e vicioso comportamento, mesmo que não seja habitual, mas uma vez ou outra. Pergunte-se a si mesmo, caro leitor, se “nunca” agiu assim e responda, mesmo que só por pensamento, com rigorosa sinceridade. Confesso que já cometi esse pecado, embora venha me policiando zelosamente para não reincidir no erro.

Esse comportamento não é e nunca foi novo. Eça de Queiroz, no já distante século XIX, constatou-o e tratou a respeito no livro “A correspondência de Fradique Mendes”. Hoje em dia, com as facilidades de comunicação proporcionadas pela internet, esses julgamentos afoitos e irresponsáveis são para lá de comuns. Leiam as mensagens do Facebook e do Twitter, por exemplo, e verifiquem quantas das opiniões emitidas têm ou não essas características. A imensa maioria tem! E nem é preciso muita análise para a detecção. Algumas manifestações, sobre temas complexíssimos, a que os maiores especialistas ainda não chegaram a nenhuma conclusão, saltam aos olhos de pessoas bem informadas, pelo ridículo.

Um exemplo? Lá vai. Quando os magistrados do Supremo debateram, e finalmente decidiram acatar, os embargos infringentes, no processo 470, que a imprensa rotulou de “mensalão”, choveram opiniões condenando a decisão. Ora, se esse princípio jurídico não é claro nem para os doutores em leis, para as maiores sumidades do Direito, como acreditar que pessoas – que a julgar pela linguagem adotada são, digamos, semi-analfabetas – estariam habilitadas a opinar com um mínimo de fundamento? Claro que não estavam e não estão. Mas a quantidade de opiniões emitidas, sem nenhum exagero, ascendeu aos milhões. Verifiquem nos arquivos do Facebook.    

Eça de Queiroz, em “A correspondência de Fradique Mendes”, assim escreveu a propósito: “Todos nós nos desabituamos, ou melhor, nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluidas que formamos nossas maciças conclusões. Para julgar em política o fato mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento”. O comportamento atual, nesta época de popularização das redes sociais é diferente? É!!! Por que? Porque é muito pior, por envolver muitíssimo mais pessoas.

Mas não é somente na esfera política que isso se verifica. Nós, escritores, sofremos, e muito, com esses julgamentos irresponsáveis, com os juízos apressados que não raro marcam para sempre determinado livro e seu autor com estigma negativo, quase sempre injusto, que muitas vezes arruínam carreiras que tinham tudo para serem promissoras. Eça de Queiroz escreveu o seguinte, sobre isso, em “A correspondência de Fradique Mendes”: “Para apreciarem, em literatura, um livro mais profundo, atulhado de idéias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou – apenas nos basta folhar aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante”. E não é?

Quantos livros, condenados pela “crítica”, que se percebe sequer foram lidos, mas apenas ligeiramente folhados a esmo, foram estigmatizados como sofríveis, medíocres ou coisa pior, quando na verdade eram e são excelentes?! Eu poderia citar dezenas de casos como este, quiçá centenas, mas não o farei, pois não quero comprar briga ciom ninguém. Bem que poderia.

Eça constatou ainda: “Com que soberana facilidade declaramos – ‘Este é uma besta!’ ‘Aquele é um maroto!’. Para proclamar – ‘É um gênio!’ ou ‘é um santo!’, oferecemos uma resistência mais considerada. Mas, ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz dum céu de maio nos inclinam à benevolência também concedemos bicarbonato e só num lançar de um olhar distraído sobre o eleito, ofertamos-lhe a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros, nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas”. Isso no século XIX, quando os jornais estavam ainda “engatinhando”, não havia rádio, televisão, internet e muito menos redes sociais. Imaginem se Eça vivesse hoje! Talvez fosse acometido de apoplexia ou de fulminante infarto.

Para não me estender mais do que o habitual, encerro com mais este trecho do realista e genial escritor português: “Não há ação individual ou coletiva, personalidade ou obra humana sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda. E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lodo do fato, do homem, da obra que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto, julgamos um caráter, avaliamos um povo”. Ao que aduzo: “infelizmente”.            

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Aprioristicamente, ainda que não mencionemos, salta aos olhos a nossa opinião sobre fatos e pessoas. Nem sempre erramos, mas o erro é comum, exatamente como na crônica. Depreciar é mais rápido do que elogiar. Grosserias na rede é o que tem com fartura. Melhor sair de perto.

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