quarta-feira, 26 de março de 2014

Praça Independência, onde pulsava o coração de Recife

* Por Leonardo Dantas Silva


Na Ilha de Santo Antônio, onde hoje se situam os bairros de Santo Antônio e de São José, o conde João Maurício de Nassau-Siegen fez erguer, a partir de 1637, a sua cidade Maurícia, chamada pelos holandeses de Mauritsstad. O novo núcleo veio a ser unido à primitiva povoação do Recife, através de uma longa ponte construída sob a direção do judeu-português Balthazar da Fonseca e inaugurada em 28 de fevereiro de 1643. As suas ruas obedeciam ao projeto urbanístico do arquiteto holandês Pieter Post (1608-1669), que nele incluíra dois palácios, Friburgo e a casa da Boa Vista, bem como acrescera o prédio da igreja dos calvinistas franceses (hoje Igreja do Espírito Santo).

A cidade Maurícia tinha por centro o Terreiro dos Coqueiros, no qual funcionava o “mercado grande”, onde, no século XVIII, foi instalado um alto poste destinado ao suplício dos condenados chamado de “polé”. Naquele instrumento de tortura, o supliciado era içado pelas mãos por tirantes, tendo aos pés pesos de ferro (ou chumbo!), e, depois de atingir certa altura regulamentar, era largado abruptamente, deslocando com tal repuxo boa parte dos ossos de seu corpo...; daí a primitiva denominação de Praça da Polé.

Quando da administração de D. Tomás José de Melo (1787-1798), foram instaladas, na primitiva Praça da Polé, 62 casinhas destinadas à venda de gêneros de primeira necessidade, substituídas depois por lojas maiores e a consequente mudança do nome para Praça da União (1818). Somente em 1833 passou a chamar-se de Praça da Independência e, já na primeira metade do século XX, dela foram retirados parte dos prédios que formavam o trecho conhecido por Rua do Cabugá; área hoje ocupada pelos jardins da praça, o que permitiu uma melhor visão da Igreja Matriz de Santo Antônio.

A Praça da Independência veio a ser popularmente conhecida como Pracinha do Diário, por nela estar situado o primitivo prédio do Diário de Pernambuco, cuja redação nele funcionou até o ano de 2005. Fundado em 7 de novembro de 1825, por Antonino José de Miranda Falcão, o Diário é em nossos dias o mais antigo jornal da América Latina e o decano da imprensa diária em língua portuguesa. Por muito tempo foi esta praça o “coração da cidade, que pulsa aos influxos da religião, da política e dos movimentos populares”. Sobre seu papel no centro da cidade, observa Tadeu Rocha, que “as grandes procissões, os cortejos cívicos, os clubes carnavalescos [o próprio carnaval] e as passeatas estudantis sempre cruzam este logradouro”.

Dominando a praça, encontra-se a Igreja do Santíssimo Sacramento de Santo Antônio (1753-1790), monumento nacional de visita obrigatória. Para Robert C. Smith, “de todas as grandes igrejas do século XVIII do Recife, nenhuma teve a fortuna de conservar tão bem sua primitiva aparência como a Matriz de Santo Antônio. Seu frontispício, um dos mais belos do Brasil, ainda se apresenta quase inalterados os traços característicos referidos em antigos documentos”. Antes de sua construção, ali existia a “casa da pólvora”, utilizada pelos holandeses, dela restando dois prédios, adquiridos pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz do Corpo Santo, em 1752, para a construção de sua igreja.

Em 20 de fevereiro de 1791, já com o templo transformado em matriz, sob a denominação de Santíssimo Sacramento de Santo Antônio, foi a nova irmandade nele instalada. O altar-mor em estilo rococó é enriquecido por talhas douradas. Na sacristia, destaca-se o lavabo de mármore que, partindo do solo, atinge o teto do salão. Destaque especial para o Crucificado em marfim (altar-mor), Santo Antônio e pinturas de suas paredes. Com sua fachada apresentando esculturas bem ao gosto do manuelino português, modeladas em arenito dos arrecifes e com seu interior ornado por talhas e imagens setecentistas, este templo é um dos mais bonitos da cidade.

Ainda na Praça da Independência, no antigo prédio do Diário de Pernambuco, funcionava desde segunda década do século XX, um sonoro carrilhão considerado uma das atrações do centro do Recife. Até então, antes do abandono e do descaso a que foi condenada à Praça da Independência, foi o Carrilhão do Diário de Pernambuco o único da cidade do Recife a combinar o badalar do seu campanário com as notas musicais inspiradas nos sinos do Grande Relógio de Westminster (Londres).

Na descrição do jornalista Arnoldo Jambo, escrita em 1975, o hoje desaparecido Carrilhão do Diário, “fez-se original e importante ao Recife... Por anos a fio plangeu ao escorrer das horas recifenses... Sob os cuidados do mecânico Manuel João – velho servidor do Diário – ele há muito permanece; tratado carinhosamente, dedicadamente, sentidamente como devem ser olhadas as coisas materiais que se espiritualizam para dar sentido, tradição e vida à história que as cidades curtem e ajudam a curtir no perpassar dos anos”.

O carrilhão era a nota característica do centro nevrálgico da cidade, merecendo do poeta Mauro Mota os últimos versos do poema Domingo no Recife: Assisto ao suicídio do domingo no Recife, o domingo jogando-se da torre do “Diário” na música do carrilhão batendo meia-noite. Receio de entrar na madrugada fria. Recolho na praça as horas despedaçadas. Quero que este domingo seja a antecipação da eternidade.

* Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE


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