segunda-feira, 17 de março de 2014

Viciados em crises

A palavra “crise” (e suas correspondentes em vários idiomas) é uma das mais utilizadas mundo afora. Desde que aprendi a falar e comecei a entender o que os outros falavam – isso em torno dos dois anos de idade – ouvia, vezes sem conta, os adultos falarem a respeito, posto que não entendesse o que significava. Atualmente, com mais de sete décadas nas costas, não passo um único dia sem ouvir ou ler essa palavrinha pernóstica, indicativa de que alguma coisa não anda bem com alguém, ou com alguma atividade ou com algum país. O Brasil, por exemplo, é viciado em crises. Viciadíssimo. Sempre há alguma delas pairando no ar.

Muito já se escreveu, se escreve e, certamente, se escreverá a esse respeito, na imprensa, na literatura e, sobretudo, nos jornais, variando no tom e na expectativa a propósito do seu desfecho. Os otimistas crêem em sua superação e que disso advirá algum benefício para quem sofreu ou sofre a crise. Já os pessimistas... O certo é que a tal palavrinha nunca saiu de evidência. Também já escrevi bastante a respeito e em variados contextos. Por questão de temperamento (sou otimista compulsivo) sempre busco enfatizar o aspecto da oportunidade de evolução existente em toda crise, embora não perca de vista o lado do perigo que ela representa. Afinal, otimismo não é sinônimo de alienação. E não é prudente e nem sábio não só subverter a realidade, mas até mesmo camuflá-la.

Não faz muito escrevi a respeito, em editorial que intitulei “Crise, mudança, liderança e demagogia”, que abri da seguinte forma: “As palavras crise e mudança, certamente, estão entre as mais utilizadas por todos os povos no decorrer da História, pelo menos da escrita. Problemas econômicos, de diversas naturezas e intensidades, foram causas de grandes conflitos, de imensas injustiças e de uma fartura infindável de retórica e de demagogia milênios afora. Basta que uma determinada sociedade nacional revele incompetência para produzir e distribuir os bens que sua população necessita, ou os que possam ser trocados por elas com outros povos, para que surjam os charlatães que posam de salvadores da pátria. Aparecem, por sinal, sempre com a mesma conversa, não importa em que lugar ou em qual idioma. Atacam, via de regra, a febre, nunca a infecção. Atuam sobre as conseqüências, jamais sobre as causas dos desequilíbrios econômicos. Pura irracionalidade!”.

Óbvio que não esgotei o assunto, que me parece inesgotável, embora não mude uma única palavra, uma só vírgula ou ponto do que escrevi. Não há porque mudar. Até porque ninguém me convenceu que eu estava errado nas opiniões que expus. Crises não faltam no Brasil. E elas não são, apenas, políticas ou econômicas, mas abrangem praticamente todas as atividades, como educação, saúde, segurança pública (as três que reputo mais graves), embora não se possa e nem se deva subestimar outras tantas, como as de credibilidade, de falta de ética, de exacerbado individualismo, de ausência de solidariedade e vai por aí afora. Como se vê, somos mesmo viciados em crises. Se não houvesse nenhuma, imediatamente criaríamos uma para ser foco de nossas preocupações e opiniões. Ou acaso estou exagerando?

Crises políticas, por exemplo, são comuns nas autênticas democracias, imaginem na nossa, relativamente muito jovem, após vinte e dois anos de arbítrio e de desmandos, sob duríssima ditadura militar que desperta saudades nos insensatos e alienados. Quanto a esses, não há o que fazer. Sempre foram, são e serão massa de manobra de espertalhões e de caudilhos de plantão. Nas democracias com tradição, as crises resolvem-se civilizadamente, sem comprometimento das instituições. Para isso, existem as leis. Basta que sejam aplicadas e, pronto. Tudo se resolve. As instituições nunca chegam sequer a ser arranhadas e nem remotamente ameaçadas. Entre nós, todavia... não é bem assim.

Basta que alguma pequena crise se esboce no ar para que todos tremam.  Nossos escândalos mais graves, para os quais se requer solução urgente, são os de sempre: carência educacional, subnutrição, desemprego, miséria, sistema de saúde medieval e violência quase incontrolável. Resolvidas estas questões e o povo se habituando a respeitar e exigir respeito às leis, tudo o mais acabaria entrando nos eixos. Acabaria. Mas no Brasil não é assim que as coisas acontecem. Não podemos assumir o papel de meros expectadores passivos. A maioria assume. Temos que fazer a nossa parte, sem esperar recompensa ou sequer reconhecimento. A maioria não faz. E é aí que as coisas pegam.

Não podemos delegar nossos destinos a terceiros. Contudo, delegamos. Reitero que temos que fazer a nossa parte. Não nos esqueçamos que esta é a terra em que nascemos e que, provavelmente, um dia vai acolher nossos restos mortais. Trabalhar pelo seu progresso, com justiça social, é atuar em próprio proveito e dos nossos descendentes. Ou não é? Apesar de se tratar de um país viciado em crises, que não as solucione, mas deixe que se extingam de “morte natural”, creio num Brasil justo, humano, solidário e próspero. Quando? Sei lá! Um dia! Por isso, não abro mão da tarefa de fazer a minha parte, por mais que isso me custe, me doa ou me prejudique! E de exortar quantos compartilhem de minhas idéias a fazerem o mesmo.             

Boa leitura.

O Editor.


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Um comentário:

  1. Gosto de ler sobre sua energia e convicção. Ando tão vazia de idealismo e gás. Comodismo em seu estado puro. É urgente recuperar as forças e é isso que venho buscar aqui.

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