sexta-feira, 21 de março de 2014

A cultura na imprensa de papel

* Por Urariano Mota

Quem se der ao trabalho de ler os textos que se publicam na seção de cultura na imprensa, sentirá um grande logro. Eles não cumprem o que anunciam no título, nem cumprem, quando realizam algum nexo, algo que nos informe, que nos pague o tempo que perdemos em percorrer suas linhas.

Sim, claro, isto é uma característica geral de todas as seções da imprensa, das capas que nos enganam à seção de esportes, dos programas de televisão ao abuso nos ouvidos, mais conhecido pelo nome de rádio, “o seu companheiro de todas as horas”. Mas o logro e o malogro das notícias culturais têm um quê de específico, uma especialização nesse logro geral.

Em seus melhores momentos, os textos na seção de cultura conseguem um voyeurismo, uma indiscrição da vida privada dos famosos. “Isto também é cultura”, dizem os editores, sem atentar para o significado particular dado a essa palavra, confundida com os exames nos laboratórios de análises clínicas. Em seus piores momentos, nem entre os resultados da matéria dos laboratórios tal cultura é digna de aparecer. Falta-lhe um quê de justeza, de adequação, de confiança e crédito no papel que estampam. Em lugar de um “Ácido úrico – 8,4 mg/dl, Método uricase-PAP ”, seguido do diálogo

- Doutora, li no resultado que o referencial desse exame para homem é no máximo 7,0 mg/dl... 8,4 já não é um número sombrio?

- Não... Isto pode ser o seu estilo. Sossegue. É o seu way.

Em lugar disso, os cadernos culturais, as seções de cultura julgam que arte e literatura são uma coisa muito chata, aborrecida ao extremo, e por isso têm que ser tornadas atraentes, que a poesia de Gabriela Mistral, por hipótese, se algum dia tiverem de falar nessa coisa antiga e tediosa, somente seria compreensível, vendável, se o texto adentrasse a sexualidade da poetisa. Daí que se vendam na revista Veja como “Artes e Espetáculos”, em que nem são artes nem espetáculo, pelo menos a que se assista com a inteligência.

A salvação poderia estar nos jornais, nos cadernos semanais, de fim de semana. Em O Globo, temos o Prosa & Verso, no Jornal do Brasil, o Idéias, na Folha de São Paulo, o Mais! No entanto, o que se vê comentado em resenhas muito longe está da criação do Brasil. Os “críticos” fazem uma linha de transmissão da indústria editorial. Não há, na grande imprensa, um sujeito de fibra, de cojones, que se diga: “Vamos ler isto, sem olhar para o selo editorial”. O resultado disso não é bom, e nada de bom vem daí. Quem quiser saber o novo do Brasil, há de alcançá-lo por meios marginais, pela web, por exemplo, porque a criação está fora do circuito. O lugar insubstituível da literatura, como o lugar da reflexão sobre o destino humano, na grande imprensa está fechado. Para a mídia, a criação está morta. É impossível, tornou-se quimera acordar um dia e ler nas páginas de qualquer jornal ou revista do Brasil algo como estas linhas de Manuel Bandeira

POEMA SÓ PARA JAIME OVALLE

Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei.
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.


Um comentário:

  1. Vou de lugar comum mesmo, pois não sou Manuel Bandeira para esnobar originalidade de cabo a rabo: uma festa aos meus cansados neurônios. Obrigada pelo presente.

    ResponderExcluir