O jeito era rir
* Por Fernando Yanmar
Narciso
Podemos afirmar que o Brasil se
divide em dois períodos: Antes e depois de 1994. Nesse ano, completamos vinte
anos do lançamento do Plano Real, o grande divisor de águas da economia
nacional. Em pouco tempo, o monstro incontrolável da inflação mostrou-se
possível de ser enfrentado de igual para igual. Lembra-se de como a
pobreza foi assustadora nas décadas anteriores a 1994? Dinheiro, fartura, tudo
o que nos parece tão fácil hoje ainda tinha uma distribuição tão injusta como
nos tempos da Revolução Industrial. Nada de classe intermediária, ou você
sofria ou fazia sofrer. Nessas adversidades, só mesmo o humor podia nos salvar.
Peguemos os comediantes brasileiros,
dos clássicos aos mais contemporâneos. Não há um deles que não fizesse críticas
ácidas e hilariantes à pobreza e à riqueza. Digo, nossos melhores humoristas
costumavam sair de que região do país? Do sertão nordestino, da caatinga,
daqueles lugares onde a água encanada e a eletricidade provavelmente só
estrearam há uma semana. Onde nunca ouviram falar em internet e o lançamento do
primeiro (e único) orelhão teve direito até a fanfarra e um discurso do
prefeito. Sol escaldante, chão seco, mandacaru a dar de pau e aquela romaria de
gente miserável vagando a esmo como num livro de Graciliano Ramos... Só rindo
dos próprios tormentos para conseguir viver ali!
Nos tempos áureos do humor na
televisão, era impossível fazer piada se os personagens não morassem num
vilarejozinho socado no meio da caatinga ou no morro. Quer dizer, pensem na
famosa dupla Primo Pobre e Primo Rico, imortalizados em rádio e TV por Paulo
Gracindo e Brandão Filho. Maior analogia à luta de classes não haverá: O
parente favelado vinha contar suas agruras e dificuldades ao primo playboy
esbanjão da capital, que a princípio se mostrava comovido pelos choros, só para
oferecer a ele ou uma ninharia ou o olho da rua. Hilariante, porém agridoce.
Em seus melhores anos, 90% do elenco
da Praça da Alegria eram caracterizações de mendigos,
pobretões, imigrantes nordestinos, malandros e bandidinhos pé-sujo. Quando
aparecia algum personagem rico, era aquele estereótipo de Vera Loyola ou
Athayde Patrese, com nojo da pobreza e esfregando seus ouros na cara de Carlos
Alberto e seu pai, Manoel. Como dizia o mestre Chico Anysio, brasileiro que se
preze tem apenas três problemas, café da manhã, almoço e jantar
Ele criou centenas de personagens,
quase todos humildes moradores daquele cafundó chamado Chico City,
onde o único residente rico era o prefeito Walfrido Canavieira. Até mesmo Jô
Soares criou alguns personagens sem eira nem beira no Viva o Gordo,
por mais implausível que parecesse, na época, um pobre gordo. E como não pensar
em pobreza= humor sem pensar nos Trapalhões? Didi, o magrelo espertalhão
nordestino, Dedé, o otário metido a gostosão, Mussum o carioca cachaceiro do
morro e Zacarias, o mineirinho come-quieto.
Por décadas eles transformaram o
sofrimento do povo em piadas inesquecíveis. Em 25 anos de show, acho que eles
nunca saíram da pindaíba. Lembram daquele filme em que eles viviam na roça, e
como nem balde eles tinham, Dedé ordenhou a vaca dentro de uma bota velha? Ou
de quando uns bandidos invadiram o barraco de Didi e ficaram com tanta pena da
miséria dele que acabaram deixando 300 pilas pra ele? Ou de quando eles eram
mendigos e, pra conseguir comida, Didi só precisou imitar o Sarney pro povo
jogar uma chuva de verduras em cima deles? Não dava pra não rir!
A conexão entre pobreza e comédia é
tão indissociável que o imortal humorista Oscar Pardini, do grupo Café com
Bobagem, tinha um quadro na Rede Transamérica na década de 90, chamado “Sintomas
de Pobreza” onde, imitando Chiquinho Scarpa, ele lia cartas da
audiência listando inúmeras cafonices e “pegações de mal” que só pobre seria
capaz de fazer, do naipe de comprar tapete persa pirata e pendurar na parede da
sala, juntar a caca do Totó pra adubar as “pranta” e apertar parafuso com faca,
porque a chave de fenda foi usada pra calçar a janela.
Agora os tempos são outros... A
classe média, os emergentes ou, simplesmente, pobres-ricos tomaram conta do
país. A quantidade de miseráveis diminuiu de maneira formidável desde FHC, e
com o Bolsa Família, quem nunca teve nada de repente passou a ter “tudo”. O
pobre se endivida pra cacete, mas vive melhor que qualquer geração anterior.
Nesse contexto, ajudado pelo bom e velho politicamente correto, ficou meio que
proibitivo fazer piada com pobreza. No mundo do umbigocentrismo, a pessoa
precisa ter “orgulho” de ser pobre e é duramente criticado se tentar rir da
própria desgraça.
Personagens clássicos do anedotário
nacional como o pinguço vagabundo, o vendeiro ignorante, o morador de rua, o
corno manso, o baixinho esperto, o dono de cabaré e a quenga praticamente
sumiram das bocas dos humoristas na última década. Há uma coisa muito errada
acontecendo quando o contador de causos Zé Lezin da Paraíba, que ficou famoso
por contar as tribulações de ser um matuto pé-rapado, não apenas passa a denunciar
o sumiço dos matutos como a fazer piada com Shopping Center e telefone celular.
Os pobres do Zorra Total, quando aparecem, são mais limpinhos e pasteurizados
que os que o governo usa pra gravar propaganda.
Nesse caso, Srª Presidenta, pelo bem
do riso, TRATE DE EMPOBRECER O PAÍS DE NOVO!
*Designer e
escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
Esse menino já foi longe demais! Os politicamente corretos vão correr atrás dele para pegar. Eu também, porém para dar-lhe um beijo. Conseguiu fazer graça e agradar. Muito bom!
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