domingo, 9 de outubro de 2011







Gerente de banco preso por escritor


* Por Deonísio da Silva

O escritor Domingos Pellegrini deu voz de prisão a um gerente de banco, teve trabalho para convencer a Polícia Militar a mandar um carro para conduzir o transgressor da lei, mas enfim ele foi levado à delegacia de polícia para as providências de praxe. Parece pouco, mas revela o poder de um cidadão que, se valendo apenas da lei, garantiu que fosse punido quem prejudicava vários cidadãos e dizia apenas cumprir ordens superiores.

Em Brasília, um caseiro derrubou o mais poderoso dos ministros de Lula. Os cidadãos estão redescobrindo os direitos da cidadania?

Mas será que na casa de Brasília, pivô da demissão do ministro da Fazenda, havia um São Jorge na parede, como nos antigos bordéis? Aqueles freqüentadores estavam no mundo da lua e agora assistem ao terrível embate do dragão da maldade. Mas quem será o santo guerreiro?

São Jorge costuma dar lições aos brasileiros. Em maio de 2000, uma empresa dos EUA que patrocinava o Coríntians, resolveu profissionalizar o clube e banir as superstições, que prejudicavam muito o time, segundo o olhar esclarecido da nova diretoria, imposta pelos investidores, e dos métodos dos publicitários contratados para os novos tempos.

A fiel torcida – o adjetivo “fiel” surgiu entre 1954 e 1977, quando o Coríntians arrostou o mais longo jejum de títulos – ficou desconfiada, mas torcedores têm mais paciência com a diretoria dos clubes do que o povo com o governo. E a fiel continuou fiel.

Entre as modernizações empreendidas, foi demitido o administrador espiritual, o pai-de-santo Pai Nilson, que dizia fazer ligações diretas com São Jorge, o padroeiro do clube, bem antes da modernização telefônica trazer o DDD, sigla de discagem direta à distância.

Não creio em bruxas, mas elas existem, diz famoso ditado espanhol. Sem os entendimentos de Pai Nilson com São Jorge, o Coríntians foi eliminado da Libertadores, pelo arqui-rival Palmeiras; da Copa Brasil, pelo Botafogo; e do Campeonato Paulista pelo São Paulo. A seguir perdeu dez vezes consecutivas na Copa João Havelange, tendo ficado em último lugar nesse torneio.

Há um modo de explicar o mundo com superstições, crendices, lendas e paranóias diversificadas. Sob o papa Paulo VI, a Igreja tornou opcional o culto a vários santos cujas existências não estavam documentadas. Era o ano de 1969, vivíamos a ditadura militar, direitos políticos eram suspensos, parlamentares eram cassados, e o povo, inspirado nesse contexto, passou a referir-se aos santos revistos como “santos cassados”, entre os quais estavam muitos santos populares, como São Cristóvão e São Jorge.

Ninguém pode negar os avanços do Concílio Vaticano II, que aplainaram o caminho da Igreja rumo aos novos tempos. Mas também ninguém pode negar que algumas decisões resultaram em perda de fiéis. Certos de que a missa em latim dificultava a compreensão do público, as luminosas inteligências reunidas em Roma aportuguesaram a missa, autorizando também, evidentemente, que fosse rezada na língua de cada país onde fosse celebrada.

Mas quem disse que o fiel quer entender a linguagem sacerdotal? Ele quer o mistério, a transcendência, o que não entende, a fé! Não fosse assim, igrejas e catedrais seriam desperdícios arquitetônicos, mas estão ali para acolher os fiéis!

Não se pode estabelecer relações de causa e efeito entre as desgraças corintianas, o afastamento de Pai Nilson e a clandestinidade dos cultos a São Jorge. Também não se pode dizer que os cultos ditos evangélicos tiveram seu crescimento vertiginoso devido ao abandono dos mistérios sincréticos que os cultos afro-brasileiros associaram com tanta sabedoria ao catolicismo, mas as coincidências levam-nos a outros caminhos que vão muito além do no creo en brujas, pero que las hay, las hay. O Coríntians, a Igreja, governos e administradores, no varejo e no atacado dos diversos poderes, devem refletir sobre os supostos beneficiários de suas ordens e novos projetos.

O cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, torcedor do Coríntians, então arcebispo de São Paulo, consagrou, em 1994, a nova capela erguida nos domínios do clube, onde foi entronizada solenemente a nova imagem de São Jorge, esculpida em madeira, trazida da Turquia.

E na já famigerada casa de Brasília foi entronizado novo santo guerreiro que, como São Jorge, estava lá, mas não ficou calado, mas, tal como a de São Jorge, também esta história está cheia de mistérios.

* Escritor, Doutor em Letras pela USP, autor de 30 livros, alguns transpostos para teatro e TV. Assina colunas semanais no Jornal do Brasil, na Caras e no Observatório da Imprensa. Dirige o Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário