domingo, 30 de outubro de 2011







Braço forte, mão amiga

* Por Fausto Brignol

Se você necessitar de internação no Hospital Militar de Bagé, RS, deverá preparar-se para acampar. O hospital fornece o básico, mas não mais que isso.
Leve cobertores e travesseiros, caso contrário poderá passar frio ou sofrer um torcicolo. A teoria é de que soldado dorme em cima da própria mochila e que travesseiros e cobertores são adereços desnecessários.
Não esqueça o celular, que será indispensável. O hospital não tem telefone. Ou, por outra, o telefone do hospital não é disponibilizado para os pacientes ou acompanhantes.
Se você tiver algum familiar naquele hospital, não esqueça de levar a comida. Se optar pelo rancho, prepare-se para usar talheres de plástico. Haverá um pouco de arroz e um caldo negro lembrando feijão. Talvez uma verdura. Uma comida espartana. Tente comer o tijolinho que lhe dão de sobremesa para diminuir o ardor da forte comida militar. E depois use o único palito que lhe foi ofertado. Leve água, apenas por garantia de não passar sede.
Se desejar tomar um chimarrão, leve água quente de casa.
Não esqueça também, de levar papel higiênico, sabonetes, toalhas...
Acredito que devemos fazer uma campanha cívica para salvar o Hospital Militar de Bagé. Por uma questão de saúde. Saúde e civismo.
Observe que se o paciente estiver sozinho, desacompanhado e necessitar de atendimento de urgência, não terá como acionar a campainha, porque não existe campainha nos quartos e apartamentos.
Em substituição, há um telefone ligado diretamente com a enfermaria. Somente com a enfermaria. Se o paciente estiver sozinho e necessitar de algum atendimento de urgência, poderá ou não ter tempo de tirar o fone do gancho. Caso consiga, deve contar com a sorte para ser atendido rapidamente.
Em caso de muita preocupação a respeito de uma pessoa querida que se encontre baixada naquele hospital e você desejar telefonar para saber a respeito, prepare-se para obter uma resposta depois de um tempo não inferior a dez minutos. Os rapazes da recepção, muito solícitos, encaminharão a sua ligação para a enfermaria e isso significa demora. Mas não se preocupe em demasia, porque ficará ouvindo uma música, que poderá ser interpretada como uma calma marcha marcial. Enfim, quando uma enfermeira atender e der as informações solicitadas você se sentirá mais feliz, mas talvez reste alguma dúvida, momento em que você poderá pedir que lhe telefonem de volta. Não peça, ou ficará sabendo que o telefone do hospital não tem bina, o seu número não ficou gravado e não adiantará informar o número, porque não é permitido telefonar do hospital para meras informações.
Urge uma campanha da sociedade civil bajeense para salvar o Hospital Militar. Talvez uma campanha de doações, como tantas que são feitas. Uma campanha assistencialista, com chamadas em rádios, jornais e televisão.
Quanto ao atendimento, é bom. Daquele jeito militar, entenda-se, mas, dadas as extremas dificuldades do hospital, devemos ser compreensivos.
Enfermeiras e médicos são muito compreensivos com os pacientes. Perguntam a toda hora se desejam ter alta. Não é brincadeira. Aconteceu com minha esposa.
Teve que ser internada devido a uma infecção estomacal. Não sabemos ainda se de origem viral ou bacteriana. Não sabemos se é (era?) realmente somente uma infecção estomacal. O diagnóstico não nos foi revelado. O médico que assinou a baixa apenas disse que era uma infecção. Mais nada. Militares são lacônicos, economizam palavras. O médico viu os exames e disse que ela teria que tomar soro contínuo e depois fazer novos exames para ver se deveria ou não ter alta.
Isso foi na sexta-feira passada, dia 21 de outubro. Ela foi encaminhada à enfermaria e uma enfermeira a levou para um apartamento muito bonito. Depois, pediu que ela deitasse e administrou o soro. Ela deitou com a roupa que estava vestindo. No quartel é tudo muito rápido.
Ficamos esperando o médico para nos inteirarmos do diagnóstico, e prováveis maiores orientações. O médico não apareceu. Até agora.
No dia seguinte, o almoço estava salgado. Em um papel pendurado por fita durex na bandeja estava escrita a palavra “Livre”.
No mesmo dia, de tarde, uma médica muito simpática perguntou se ela sentia dores no estômago, se estava bem e se desejava tirar o soro e ter alta. Expliquei que o médico que tinha assinado a baixa é que teria que assinar a alta da paciente, mas depois dos exames – conforme ele mesmo tinha dito. Quase brigamos, mas a médica condescendeu que talvez eu tivesse alguma razão e Lidia continuou com o soro.
Por mais alguns minutos. Procedimentos médicos em hospitais militares são procedimentos militares. Pouco depois, uma enfermeira – forte, falando alto, quase aos gritos, disse que tinha ordem para tirar o soro da paciente. E tirou. Deixou-a com uma agulha presa no braço para o caso de futuras injeções na veia. Injeções que não aconteceram.
No dia seguinte, de tarde, Lidia estava tomando os seus remédios – porque sofre de outras doenças que não cabe aqui serem relatadas – quando foi surpreendida por uma enfermeira, que perguntou por que ela estava se medicando.
Lidia respondeu que estava se medicando por que sofre de outras doenças. Ninguém naquele hospital muito militar sabia disso. O médico não tinha perguntado. Nem o médico nem nenhuma enfermeira. Lidia ainda perguntou para a enfermeira se sabia o que significava “interação medicamentosa”.
Vejam na Wikipédia:
“As interacções entre fármacos são alterações que se produzem nos efeitos de um fármaco devido à ingestão simultânea de outro fármaco (interacção fármaco-fármaco ou interacções medicamentosas) ou aos alimentos consumidos (interacções fármaco-alimento). Esta interação pode reduzir o efeito de um dos fármacos ou potencializá-lo, o que pode causar efeitos imprevisíveis no tratamento.”
Ela teve sorte, mas poderia ter sido vítima de danos ou até de perigo de morte, devido à ignorância militar do médico e das enfermeiras.
Pouco depois, Lidia, sentindo-se totalmente desprotegida, perguntou se poderia ir embora. E lhe foi dito que sim! Ela chamou um táxi e veio para casa. Antes, retirou a ociosa agulha que pendia do seu braço.
Minha esposa é pensionista militar e paga mais de oitenta reais por mês para o FUSEX (Fundo de Saúde do Exército) para ser atendida, quando necessário. O pai dela foi um oficial que serviu a vida inteira ao Exército Brasileiro. Ela esperava ser atendida decentemente. Somente isso, nada mais.

• Jornalista e escritor

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