terça-feira, 18 de outubro de 2011



Em ritmo de renovação

A literatura brasileira – como, ademais, ocorre em tantas outras atividades, neste país tão promissor – está em constante renovação. Volta e meia surgem novos escritores no panorama literário nacional, cheio de idéias novas e sonhando conquistar seu lugar ao sol. Alguns (raros) logo se impõem e em pouco tempo tornam-se veteranos. Conquistam um público fiel, posto que quase sempre restrito. Outros tantos (a maioria), passam como cometas e após o primeiro livro, nunca mais ouvimos falar deles. O que falta aos nossos escritores é divulgação.


As coisas, nesse aspecto, já foram piores, muito piores. Com o advento da internet e sua consolidação, principalmente com o surgimento das redes sociais e dos milhões de blogs, novos e promissores canais de difusão de novidades, de idéias e, claro, de divulgação de livros estão, agora, à disposição dos escritores, quer dos veteranos, quer, e em especial, dos “principiantes” nessa fascinante (e frustrante) atividade artística.
De uns tempos para cá, venho tendo acesso – comprando, algumas vezes ou na maioria dos casos, ganhando suas publicações – a obras de autores há não muito desconhecidos, e não somente para mim, mas para o público leitor em geral. Nem todos são inéditos. Alguns têm várias obras publicadas, mas, por uma razão ou outra, não repercutiram e não emplacaram. A maioria, porém, é de jovens, sonhando, reitero, em conquistar seu lugar ao sol.


Aguardo com ansiedade, por exemplo, o novo romance de Tatiana Salem Levy, “Em silêncio”, anunciado pela Editora Record para este segundo semestre. E por que dessa escritora, especificamente? Por várias razões, mas, principalmente, por haver me encantado com seu livro anterior, “A chave de casa”. Aliás, não estive sozinho nesta “paixão à primeira vista”. Esse romance encantou os jurados do Prêmio São Paulo de Literatura de 2008, premiando, com justiça, a autora. Essa mesma obra foi finalista do Jabuti (promoção vitoriosa do Penn Clube) e classificou-se entre os 51 títulos do Portugal Telecom.


E quem vem ser, de fato, essa Tatiana Salem Levy, cuja escrita me impressionou tão intensamente? É uma jovem escritora (nascida em 1979), tradutora e doutora em Literatura. Antes da publicação de “A chave da casa” (lançado, primeiro, em Portugal, pela Editora Cotovia, e só depois pela Record), havia publicado um livro de não-ficção, “A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze” (pela Relume Dumará). Publicou, também, contos, antes de aventurar-se no romance, na revista “Ficções 11” (7 Letras), e nas antologias “Paralelos” (Agir) e “Vinte e cinco mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira” (Record).


“Tecnicamente”, Tatiana é portuguesa, pois nasceu em Lisboa. Todavia, considera-se brasileira, brasileiríssima, já que veio para o Brasil, com os pais, quando tinha apenas nove meses de idade. Aqui cresceu, desenvolveu-se, estudou, se formou e se tornou a escritora que é. E que escritora!


Faz-se necessário ressaltar que o premiado livro “A chave de casa” é autobiográfico. Bem, é em termos. Tatiana prefere classificá-lo de “autoficção”. E o que vem a ser isso? O enredo baseia-se em fatos reais, da vida da autora, mas entremeado de outros tantos “episódios” inventados.


Deixemos, porém, que a própria escritora explique o que isso significa: “Quando terminei de escrevê-lo(o livro “A chave de casa”), estava morando em Paris, por causa do doutorado. Autoficção é um tema super-recorrente lá, faz parte da teoria literária. Na autobiografia você estabelece um pacto com o leitor, de que o que ele está lendo aconteceu. A gente sabe que toda autobiografia, de certa forma, também é ficcional, porque é um relato, um ponto de vista. Mas você estabelece esse pacto: vai contar o que aconteceu. A autoficção mistura realidade com ficção, e tem a questão do narrador que você não sabe se é o autor, ou não. Fica entre a ficção e a não ficção — a ideia é explorar isso. Outro dia um amigo me disse: ‘Deve ter sido um acerto de contas a história com o seu avô’. Nunca tive um avô. Mal conheci o pai da minha mãe, de quem eu morria de medo. Fui à Turquia com a minha mãe e a minha irmã, para outra coisa. Depois, quando estava escrevendo o livro, em Paris, comprei um pacote baratinho e passei quatro dias em Istambul, com uma amiga. Nessa viagem peguei muito material para a descrição dos locais”.

Pois é, creio que ficou explicado, e muito bem, o que é a tal da “autoficção”. Outra informação, que considero pertinente e esclarecedora, é que “A chave de casa” foi escrito não com a intenção de ser publicado como romance. Na verdade, tratou-se de sua tese de doutorado em Literatura. E... bingo! Matou não apenas dois, mas vários coelhos com uma só cajadada: doutorou-se, conquistou o cobiçado Prêmio São Paulo de Literatura, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura e virou sucesso editorial.

Pelo exposto, creio que o leitor, agora, entende minha ansiedade pelo lançamento do romance “Em silêncio” (não tenho certeza se a Record já o lançou ou não). O release da editora, porém, adianta o teor do novo livro de Tatiana Salem Levy: gira em torno da “paixão de dois irmãos por uma francesa”, o que “desperta emoções antigas, ligadas à infância dos dois”.

A rigor, a jovem escritora luso-brasileira, aos 32 anos, não pode, mais, ser considerada novata no cenário literário nacional. Já passou pelo “batismo de fogo” e saiu-se muito bem. Acredito que terá brilhante trajetória pelo mundo das letras. Assim como ela, há vários outros escritores novos batalhando por seu espaço, por um lugar ao sol, a respeito dos quais escreverei oportunamente. Porquanto, para minha satisfação, a despeito das inúmeras dificuldades que nos deixam malucos e atarantados (amiúde tenho ressaltado quais são as piores delas),a literatura brasileira, felizmente, segue em pleno ritmo de renovação. E que assim prossiga.

Boa leitura.

O Editor.


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Um comentário:

  1. A dedicação a tese de doutorado, especialmente a parte escrita, é integral para boa parte dos doutores. Quando a essa dedicação alia-se talento, podemos ter o belo resultado que nos relata, Pedro. Há gratas surpresas entre jovens escritores. Recebo vaias quando digo, mas o livro "Feliz Ano Velho", escrito em 1979 (ano que Tatiana Salem Levy nasceu) por Marcelo Rubens Paiva, quando ele tinha apenas 20 anos, foi o melhor livro que já li. Podem rir. Como sou psicanalisada há 12 anos, aguento as críticas.

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