terça-feira, 25 de outubro de 2011



O barão e os educadores

* Por Duque de Lima e Silva

Fábula de um protesto no ducado de Catarina


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O barão de Catarina não estava presente quando tudo aconteceu. Caso tivesse a oportunidade de estar presente no início da grande revolta, provavelmente se faria ausente, como as moedas guardadas para a educação no cofre de seu palácio. Os juízes dos reis já haviam decidido em sentença lavrada e assinada o cumprimento da lei não cumprida em muitos ducados do reino: o pagamento de um soldo mínimo aos educadores. O barão de Catarina viajava com seus conselheiros públicos e privados quando a decisão foi imposta pelos juízes reais. Os educadores resolveram em assembleia parar onde tudo começou: na própria lei. E os liceus foram fechados. Enquanto isso, o barão voava de um lado para o outro para conhecer a tecnologia dos trens, das carruagens e dos zepelins com os quais viajava, com a finalidade de encontrar alguns outros barões dispostos a trazer tal tecnologia para os ricos de seu ducado. E numa dessas velozes viagens, enquanto o mensageiro falava sobre o protesto dos professores, o barão brindou um vinho do porto e arrotou discretamente uma perdiz, nas proximidades donde Colombo partiu outrora. À noite, o barão sonhou com ovelhas, brincando pacificamente sobre a relva. De repente, o céu escurecia e as ovelhas estavam de olhos vermelhos, cerrados pelas negras olheiras. Derrubavam as cercas e entravam sujas nas casas oficiais de seu ducado. Algumas espumavam pela boca. Pareciam loucas por alguma razão. O barão despertou assustado, seu pijama de listas amarelas estava inteiramente molhado e o quarto cheirava a suor. Acordou a baronesa, que suspirava profundamente com o maxilar inferior solto, para lhe perguntar se ela havia tido também um sonho com ovelhas. Você está louco, perguntou, e voltou a dormir.
No dia seguinte, o barão partilhou seu pesadelo a seus conselheiros que, por sua vez, ao barão aconselharam consultar o adivinho. O adivinho acompanhava a comitiva e, no momento, era massageado por dois enormes mouros na sauna de Valência. Ao ouvir a narrativa onírica de seu superior durante o desjejum da comitiva, o adivinho associou as ovelhas aos educadores em revolta no ducado. Rapidamente em acordo, os conselheiros políticos aconselharam ao barão reforçar a guarda de seu palácio e aumentar o controle da milícia sobre todo professor ou parente de professor.


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A ideia de cumprir a lei ditada pelos juízes reais não veio a ninguém, porque o duque das finanças já havia dito que o orçamento do cofre público de seu ducado não poderia ser usado para arrumar escolas nem dar esmolas aos educadores, pois precisavam manter seus empregados e seus altos postos, suas indumentárias, suas viagens e toda a nobreza de seus palácios. Além do que, se seus filhos, netos e bisnetos precisassem de educação, eles a comprariam, como compravam a retórica de falar muito para não dizer nada.
Já que longe andava o barão, lobo não faltou para substituí-lo em casa. E se fez circular uma lei pelo ducado de Catarina para cada liceu punir professor em protesto, a começar pelo seu bolso, que já andava vazio. A revolta cresceu ainda mais, nas ruas, nas casas oficiais, nas comunicações de todos os lares, entre mercadores e populares nas praças. Quando o barão chegou a seu ducado, mais bochechudo e papudo do que nunca, propôs cumprir a lei descumprindo-a, como se ninguém fosse perceber: no lugar de três moedas de ouro daria cinco de bronze e quanto mais saber possuísse o educador, suprimiria as de ouro e aumentaria as de bronze, segundo as instruções do duque das finanças, cuja lógica nem o próprio barão compreendeu. Acabaria de vez o desejo de estudar por parte dos educadores e a educação publicamente básica do povo continuaria às traças como sempre esteve naquele ducado. O protesto foi ainda maior e o barão gelou em seu trono de cetim. Lembrou-se do sonho e convocou todo seu exército para, durante a madrugada, conceber uma saída para a balbúrdia. Mas suspendeu pela manhã a ordem quando o mensageiro lhe anunciou que também os jovens, incluindo alguns ricos rebeldes, apoiavam o protesto dos mestres públicos. Mandou redigir uma petição aos juízes reais para protestar ilegal o protesto, mas os juízes reais, após alguns dias, argumentaram sobre a legalidade da revolta, e que eles como juízes não gostariam de resolver um problema que era dele como governador de seu ducado. Um ministro do rei, em visita ao ducado de Catarina, disse para o governador simplesmente pagar o que devia. O barão de Catarina apelou a todo ducado em nome de Deus e das crianças e convocou novamente o exército para se preparar e agir oportunamente contra os radicais. Quando dez mil pessoas gritaram e forçaram os portões de seu palácio, enquanto o barão tomava seu café da tarde e comia um bolo de cenoura, as forças armadas já esperavam do outro lado, por trás de grandes pedras e algumas árvores, e ruflaram os tambores, e uma corneta disparou seu sopro e dez mil cassetetes choveram sobre pernas e costas contras os portões e muros da propriedade oficial do barão. Em questão de minuto, só se via bandeiras quebradas e corpos gemidos e, mais ao largo, alguns pernetas e feridos chamavam o ladrão para salvá-los da milícia.


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Mas não ficou por isso. A notícia andou pelo reino inteiro, de norte a sul, de leste a oeste. Entre os professores, havia cronistas, gravuristas, pintores, mães, pais e filhos de família, aos quais trabalho nunca faltou, a dar comida e dignidade à vida, e se possível alegria. A cara de cerâmica do barão aparecia de pau por todos os lados nas bandeiras e nos palanques, e à sua volta ouvia-se um grito único para depô-lo do cargo de governador: barão, barão, volte para o chão, já vai tarde, já vai tarde, perdeu a autoridade. Mas ele não foi deposto e aos professores ao menos se garantiu o soldo básico para o pão nosso de cada dia. Os liceus continuaram do mesmo jeito, os livros no chão, as paredes ainda de pé. Um dos muitos educadores, jovem e orgulhoso de seus livros no colo, arrastava discretamente a perna esquerda pelo corredor e sentia o peso de uma casa no ombro, mas respirava fundo e empinava o peito, para conduzir altivamente mais dez aulas naquela segunda-feira, quando tudo voltou ao normal.

• Escritor

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