Liberdade no século XXI
A liberdade é um daqueles tantos conceitos ambíguos, citados a todo o instante, mas que suscitam múltiplas interpretações. Temos intuição íntima do que significa e de como desejamos que seja, mas não conseguimos defini-la com precisão e muito menos estabelecer onde começa e onde termina, embora não em casos extremos, claro. Sua total supressão, por exemplo, nos é clara (e intolerável), posto que muito mais comum do que desejamos. Mas seu caráter absoluto e irrestrito é pura ficção. Nunca existiu e nem irá existir a liberdade sem nenhum limite. Ela é sempre relativa e parcial.
Aquela história de ser livre para fazer o que, quando e onde queremos, sem dar satisfações de nenhuma espécie, e para ninguém, dos nossos atos, é ilusão. Pode até ser (e é) o ideal dos anarquistas, que se opõem a hierarquias e sistemas de toda e qualquer espécie (inclusive do casamento), mas essa “ideologia” (creio que podemos lhe dar essa designação), nunca prosperou.
Do nascimento à morte, com maior ou menor intensidade, sempre tivemos, temos e teremos que prestar contas dos nossos atos a alguém: aos pais, aos educadores, à esposa, ao patrão, às autoridades constituídas e vai por aí afora. Sempre que tratamos de liberdade, portanto, está implícita a que é relativa. É ela que caracteriza as legítimas (será que legítimas mesmo?) democracias contemporâneas.
Bem, o assunto é fascinante, enseja muitas vertentes para reflexão, mas não é propriamente dele que vou tratar. Meu tema é muito mais trivial, é um comentário superficial e de passagem sobre o novo livro do escritor norte-americano Jonathan Franzen. E o título desse romance, sucesso editorial nos Estados Unidos e, lançado no Brasil em maio de 2011 pela editora Companhia das Letras, é justamente este: “Liberdade”.
As opiniões dos críticos a respeito desse romance oscilam de um extremo a outro. Uns, avaliam-no com incontido entusiasmo e incorrem (no meu entender) até em certo exagero. Para o jornal “The Guardian”, trata-se do livro “do ano” (no caso, 2010, quando foi lançado nos EUA) e do “século” (que, convenhamos, ainda está, praticamente, no início). A revista “Time” recebeu-o com idêntico entusiasmo. Dedicou-lhe uma das suas disputadas capas em 2010 e chamou Jonathan Franzen, de 52 anos (recém-completados) de “o grande romancista norte-americano da atualidade”.
Mas... é raro alguém conseguir agradar, simultaneamente, “a gregos e troianos”, principalmente quando se trata de literatura. Alguns críticos, por exemplo, consideram que “Liberdade” poderia ser mais “enxuto” e que são dispensáveis as 605 páginas que tem. Embora elogiem o enredo, as várias tramas, os personagens verossímeis e atuais, entendem que há excesso de descrições, que seriam supérfluas e que tornam a leitura, em determinados trechos, chata e enfadonha. Bem, considero que não se deva descambar para nenhum tipo de exagero. Ou seja, como se diz no popular, “nem tanto ao céu e nem tanto à terra”.
O livro, de fato, é muito bom e, sobretudo, atual. Trata-se de um épico enfocando uma família do Meio Oeste dos Estados Unidos da década de 1980 até a eleição de Barak Obama para a presidência, situando-se, portanto, em todo o período da polêmica gestão de George W. Bush (2001-2009) na Casa Branca. O autor cita, por exemplo, a todo o momento, o fatídico 11 de setembro de 2001, que redundou numa dramática mudança de postura e de atitude dos Estados Unidos face o mundo, notadamente com as invasões do Iraque e do Afeganistão.
O livro poderia ser mais “enxuto”? Poderia. Sempre pode. Todavia, discordo que sua extensão torne a leitura enfadonha e muito menos chata. Como discordo, também, que se trate do “romance do século”. Talvez, mas apenas talvez, possa ser considerado o “melhor do ano”, embora 2010 tenha se caracterizado por excelentes lançamentos, do mesmo nível ou, quem sabe, melhores do que “Liberdade”.
Franzen não é “marinheiro de primeira viagem”. Este já é o seu quarto livro. Os três anteriores também foram muito bem recebidos pela crítica e pelo público, apesar de não com tamanho alarde como este. Sua estréia, ocorrida em 1996, curiosamente, deu-se com uma obra de não ficção. Foi com o ensaio “Perchance to Dream” (não sei se chegou a ser lançado no Brasil), tratando do estado da literatura.
Jonathan Franzen nasceu em 17 de agosto de 1959 em Western Springs, no Estado de Illinois. Seu pai é um imigrante sueco e a mãe norte-americana. É formado em letras germânicas. Embora tenha criticado muitas vezes a televisão e as outras mídias contemporâneas, cita-as, vezes sem conta, em seu livro. Indagado a respeito, em entrevista que concedeu à Folha Ilustrada, em 27 de maio de 2011, justificou da seguinte forma esta aparente contradição: “Eu me isolo delas. Quando estou trabalhando, não tem música, internet. Gosto delas, mas distraem facilmente. Porém não vejo a razão do Twitter e o Facebook me irrita. Já o e-mail é uma invenção maravilhosa, e abrandei minha posição sobre a TV. Algumas séries se desenvolvem como os grandes folhetins do século XIX”.
Franzen admite ter sofrido influência de vários escritores, não somente contemporâneos, mas, inclusive, de vários clássicos. Cita, em “Liberdade” – e mais de uma vez – “Guerra e Paz”. A esse respeito, comentou, na citada entrevista à Folha Ilustrada: “Quando estava travado, um livro que me fez andar foi ‘O teatro de Sabbath’, de Philip Roth. Pensei muito em Stendhal, Tolstoi e em Alice Munro, gênia canadense”.
Fica, pois, mais esta sugestão de leitura e que ela o leve, caro leitor, a refletir sobre os vários aspectos da liberdade e, principalmente, sobre a ambiguidade deste conceito.
Boa leitura.
O Editor.
A liberdade é um daqueles tantos conceitos ambíguos, citados a todo o instante, mas que suscitam múltiplas interpretações. Temos intuição íntima do que significa e de como desejamos que seja, mas não conseguimos defini-la com precisão e muito menos estabelecer onde começa e onde termina, embora não em casos extremos, claro. Sua total supressão, por exemplo, nos é clara (e intolerável), posto que muito mais comum do que desejamos. Mas seu caráter absoluto e irrestrito é pura ficção. Nunca existiu e nem irá existir a liberdade sem nenhum limite. Ela é sempre relativa e parcial.
Aquela história de ser livre para fazer o que, quando e onde queremos, sem dar satisfações de nenhuma espécie, e para ninguém, dos nossos atos, é ilusão. Pode até ser (e é) o ideal dos anarquistas, que se opõem a hierarquias e sistemas de toda e qualquer espécie (inclusive do casamento), mas essa “ideologia” (creio que podemos lhe dar essa designação), nunca prosperou.
Do nascimento à morte, com maior ou menor intensidade, sempre tivemos, temos e teremos que prestar contas dos nossos atos a alguém: aos pais, aos educadores, à esposa, ao patrão, às autoridades constituídas e vai por aí afora. Sempre que tratamos de liberdade, portanto, está implícita a que é relativa. É ela que caracteriza as legítimas (será que legítimas mesmo?) democracias contemporâneas.
Bem, o assunto é fascinante, enseja muitas vertentes para reflexão, mas não é propriamente dele que vou tratar. Meu tema é muito mais trivial, é um comentário superficial e de passagem sobre o novo livro do escritor norte-americano Jonathan Franzen. E o título desse romance, sucesso editorial nos Estados Unidos e, lançado no Brasil em maio de 2011 pela editora Companhia das Letras, é justamente este: “Liberdade”.
As opiniões dos críticos a respeito desse romance oscilam de um extremo a outro. Uns, avaliam-no com incontido entusiasmo e incorrem (no meu entender) até em certo exagero. Para o jornal “The Guardian”, trata-se do livro “do ano” (no caso, 2010, quando foi lançado nos EUA) e do “século” (que, convenhamos, ainda está, praticamente, no início). A revista “Time” recebeu-o com idêntico entusiasmo. Dedicou-lhe uma das suas disputadas capas em 2010 e chamou Jonathan Franzen, de 52 anos (recém-completados) de “o grande romancista norte-americano da atualidade”.
Mas... é raro alguém conseguir agradar, simultaneamente, “a gregos e troianos”, principalmente quando se trata de literatura. Alguns críticos, por exemplo, consideram que “Liberdade” poderia ser mais “enxuto” e que são dispensáveis as 605 páginas que tem. Embora elogiem o enredo, as várias tramas, os personagens verossímeis e atuais, entendem que há excesso de descrições, que seriam supérfluas e que tornam a leitura, em determinados trechos, chata e enfadonha. Bem, considero que não se deva descambar para nenhum tipo de exagero. Ou seja, como se diz no popular, “nem tanto ao céu e nem tanto à terra”.
O livro, de fato, é muito bom e, sobretudo, atual. Trata-se de um épico enfocando uma família do Meio Oeste dos Estados Unidos da década de 1980 até a eleição de Barak Obama para a presidência, situando-se, portanto, em todo o período da polêmica gestão de George W. Bush (2001-2009) na Casa Branca. O autor cita, por exemplo, a todo o momento, o fatídico 11 de setembro de 2001, que redundou numa dramática mudança de postura e de atitude dos Estados Unidos face o mundo, notadamente com as invasões do Iraque e do Afeganistão.
O livro poderia ser mais “enxuto”? Poderia. Sempre pode. Todavia, discordo que sua extensão torne a leitura enfadonha e muito menos chata. Como discordo, também, que se trate do “romance do século”. Talvez, mas apenas talvez, possa ser considerado o “melhor do ano”, embora 2010 tenha se caracterizado por excelentes lançamentos, do mesmo nível ou, quem sabe, melhores do que “Liberdade”.
Franzen não é “marinheiro de primeira viagem”. Este já é o seu quarto livro. Os três anteriores também foram muito bem recebidos pela crítica e pelo público, apesar de não com tamanho alarde como este. Sua estréia, ocorrida em 1996, curiosamente, deu-se com uma obra de não ficção. Foi com o ensaio “Perchance to Dream” (não sei se chegou a ser lançado no Brasil), tratando do estado da literatura.
Jonathan Franzen nasceu em 17 de agosto de 1959 em Western Springs, no Estado de Illinois. Seu pai é um imigrante sueco e a mãe norte-americana. É formado em letras germânicas. Embora tenha criticado muitas vezes a televisão e as outras mídias contemporâneas, cita-as, vezes sem conta, em seu livro. Indagado a respeito, em entrevista que concedeu à Folha Ilustrada, em 27 de maio de 2011, justificou da seguinte forma esta aparente contradição: “Eu me isolo delas. Quando estou trabalhando, não tem música, internet. Gosto delas, mas distraem facilmente. Porém não vejo a razão do Twitter e o Facebook me irrita. Já o e-mail é uma invenção maravilhosa, e abrandei minha posição sobre a TV. Algumas séries se desenvolvem como os grandes folhetins do século XIX”.
Franzen admite ter sofrido influência de vários escritores, não somente contemporâneos, mas, inclusive, de vários clássicos. Cita, em “Liberdade” – e mais de uma vez – “Guerra e Paz”. A esse respeito, comentou, na citada entrevista à Folha Ilustrada: “Quando estava travado, um livro que me fez andar foi ‘O teatro de Sabbath’, de Philip Roth. Pensei muito em Stendhal, Tolstoi e em Alice Munro, gênia canadense”.
Fica, pois, mais esta sugestão de leitura e que ela o leve, caro leitor, a refletir sobre os vários aspectos da liberdade e, principalmente, sobre a ambiguidade deste conceito.
Boa leitura.
O Editor.
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A dica fica registrada, quanto ao conceito
ResponderExcluirda palavra liberdade é meramente ilustrativo.
Abs.
O que é a Liberdade, mesmo para definição didática, não é tão importante quanto o valor dela. Quem está amarrado a algo e sente-se solto, então haverá de abrir os braços, sorrir ao vento e se perguntar: o que vou fazer com toda essa liberdade?
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