domingo, 30 de outubro de 2011







Prenderam o desgraçado!1
(1- ou O doce vagido da existência)


* Por José Paulo Lanyi


Um dia a cidade sorriu, vingada da solidão
Puseram-lhe as mãos, enfim
Deram-lhe uns tapas
Entregaram-no a uma mulher2

A sádica ria
Ah, como ria!
De tudo o que faria com ele!

A mulher tinha todos os dentes
O pobre, nenhum

Quanto mais ele chorava,
Mais ele alegrava,
E muitos vieram bisbilhotá-lo (sic)

Meteram-lhe na cela
Cunharam-lhe o RG
Celebraram, matreiros,
Incenso, mirra, algema dourada
“Mais um!”, “mais um!”, “mais um!”,
Berraram os algozes, ao som das charangas
E de naipes de trombetas, também...
(ah!, e das cuícas, se bem me lembro...)

Deixaram-lhe lá, o sem-vergonha
Agora ele apanhava e batia, já
Sem cerimônia
E a sádica sorria, feliz,
Apesar da enxaqueca- ressalte-se-, aquela maldita enxaqueca. A enxaqueca é um mal feminino. As mulheres, como se sabe, enfrentam a dor com uma bravura que, de tão brava, poder-se-ia dizer masculina, mas isso é assunto para uma página inteira de prosa. Prossigamos, então, com os meus versinhos:

Certo tempo depois, 18 anos, pouco mais, pouco menos,
Prisão perpétua, ainda, bem entendido,
Nada de azul ou de rosa
Agora, a cor que lhe desse na telha
Prisioneiro exemplar, acinzentou o firmamento, o boçal (refiro-me ao prisioneiro, jamais chamaria o céu de boçal, que isso fique claro)

A sádica?! Oh!, ele chamou-a de mãe!
Um dia mandou-a pastar, como qualquer idiota poderia prever

Casou-se (ele, não a mãe) com outra
Ainda mais sádica,
Ambos com a bunda vermelha (chicotes vergastam as bundas mais improváveis) e a boca abarrotada de dentes

Juntos, cunharam RGs,
Ao som dos apitos
(e dos gemidos que habitam as entranhas do mundo)

Um dia, contudo, libertaram-no
Mas ele não voltou para contar para onde foi2A

Quem souber, por favor me avise
Por ora, me entendo com os copos
E com as curvas das mulheres
Sádicas, (oh!, ignóbil formosura!) cheias de enxaqueca para dar e, principalmente,
Vender.


2- Glossário de idéias para o leitor pouco chegado a uma sutileza: é a mãe do nenezinho, sacou? O prisioneiro é qualquer um que nasce no mundo, valeu?

2A- É uma imagem da morte, essa é fácil- ao menos, foi o que o meu cachorro achou...



(*) Jornalista, escritor e dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe", da peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog) e da coletânea “Teatro de José Paulo Lanyi e Outros Loucos” (no prelo), todos da editora O Artífice. Trabalha com o músico paulistano Flávio Villar Fernandes, com quem compôs a trilha “Invernada Op1 N1” e a sinfonia Atlântica.

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