Tião do videokê
* Por Leandro Barbieri
Um boteco. Daqueles que até barata se recusa a entrar. Mas a cerveja é barata. Lota. No canto – perto de algumas ruínas que os donos desavergonhadamente chamam de banheiro – uma mesa de sinuca. Lógico. No ar, um cheiro de fritura. O forte da casa são os pastéis. Cardiologista morre se vê alguém comendo aquilo. Mas muita gente come. Um e cinqüenta a unidade. Até eu comi.
Seria mais um antro da noite paulistana se não fosse aquela máquina. Imensa, no centro do bar. Um videokê. Disputadíssimo. Você coloca uma moeda de um real e canta o que quiser. Com a vantagem de que a platéia sempre vai gostar. Eles não são muito críticos. As moedas esgotam rápido. A padaria ao lado é a salvação de muitos desesperados por um trocado. E sempre tem alguém cantando.
Toda noite ele está lá. Tião. Já conhecido dos donos do bar. Já conhecido dos freqüentadores. Famoso Tião. Das seis às onze ele toma conta de carros na porta de um motel. Onze e cinco ele já está no boteco. Vira duas pingas e pede sua música. A dona do bar já sabe. Todos já sabem. “Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião...”
Por noite, ele canta “Roda Viva” umas cinco vezes. Trabalha para poder cantar “Roda Viva”. Sábados, domingos, feriados, segundas, não importa. Todo dia é dia de “Roda Viva” no boteco.
Um dia Tião não apareceu. Os donos do bar, um casal, confessaram certo alívio... Tião era meio... Digamos assim... Repetitivo... Chato mesmo... Mas de noite, quando o bar fechou, ela disse para o marido:
- Estranho o Tião, né?
- Em dois anos é a primeira vez...
- Será que aconteceu alguma coisa?
- Coitado... Gente boa o chato...
Dois dias e nada... No terceiro já não o esperavam mais. “Whisky a gogo”, “Andança”, “Emoções”, “Mia Gioconda” ... Mas “Roda Viva” ninguém cantava... Faltava coragem... Pobre Tião...
Uma semana depois Tião apareceu. Braço engessado, olho tapado, mancando uma perna.
- O que aconteceu, Tião?
Tião não lembrava. Trabalhara até mais tarde na rua do motel, adormeceu e acordou assim. Enfaixado. Com dores, no leito de um hospital. Deram-lhe alta há pouco. Perdeu seu cobertor, a chave do quartinho e os documentos. Mas tinha um real no bolso:
- Põe a minha música!
* Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas nacionais. Escreveu Retrato da Lapa (a primeira novela da TV a Cabo brasileira) e Umas & Outras (a primeira novela da Internet), as quais também dirigiu em parceria com Silvia Cabezaolias. Assina o roteiro da webnovela Alô Alô Mulheres na allTV, onde é diretor do núcleo de dramaturgia.
* Por Leandro Barbieri
Um boteco. Daqueles que até barata se recusa a entrar. Mas a cerveja é barata. Lota. No canto – perto de algumas ruínas que os donos desavergonhadamente chamam de banheiro – uma mesa de sinuca. Lógico. No ar, um cheiro de fritura. O forte da casa são os pastéis. Cardiologista morre se vê alguém comendo aquilo. Mas muita gente come. Um e cinqüenta a unidade. Até eu comi.
Seria mais um antro da noite paulistana se não fosse aquela máquina. Imensa, no centro do bar. Um videokê. Disputadíssimo. Você coloca uma moeda de um real e canta o que quiser. Com a vantagem de que a platéia sempre vai gostar. Eles não são muito críticos. As moedas esgotam rápido. A padaria ao lado é a salvação de muitos desesperados por um trocado. E sempre tem alguém cantando.
Toda noite ele está lá. Tião. Já conhecido dos donos do bar. Já conhecido dos freqüentadores. Famoso Tião. Das seis às onze ele toma conta de carros na porta de um motel. Onze e cinco ele já está no boteco. Vira duas pingas e pede sua música. A dona do bar já sabe. Todos já sabem. “Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião...”
Por noite, ele canta “Roda Viva” umas cinco vezes. Trabalha para poder cantar “Roda Viva”. Sábados, domingos, feriados, segundas, não importa. Todo dia é dia de “Roda Viva” no boteco.
Um dia Tião não apareceu. Os donos do bar, um casal, confessaram certo alívio... Tião era meio... Digamos assim... Repetitivo... Chato mesmo... Mas de noite, quando o bar fechou, ela disse para o marido:
- Estranho o Tião, né?
- Em dois anos é a primeira vez...
- Será que aconteceu alguma coisa?
- Coitado... Gente boa o chato...
Dois dias e nada... No terceiro já não o esperavam mais. “Whisky a gogo”, “Andança”, “Emoções”, “Mia Gioconda” ... Mas “Roda Viva” ninguém cantava... Faltava coragem... Pobre Tião...
Uma semana depois Tião apareceu. Braço engessado, olho tapado, mancando uma perna.
- O que aconteceu, Tião?
Tião não lembrava. Trabalhara até mais tarde na rua do motel, adormeceu e acordou assim. Enfaixado. Com dores, no leito de um hospital. Deram-lhe alta há pouco. Perdeu seu cobertor, a chave do quartinho e os documentos. Mas tinha um real no bolso:
- Põe a minha música!
* Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas nacionais. Escreveu Retrato da Lapa (a primeira novela da TV a Cabo brasileira) e Umas & Outras (a primeira novela da Internet), as quais também dirigiu em parceria com Silvia Cabezaolias. Assina o roteiro da webnovela Alô Alô Mulheres na allTV, onde é diretor do núcleo de dramaturgia.
Ai, que sofrimento! Ainda mais que a música fala do tempo.
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