sexta-feira, 10 de junho de 2011



Os velhos carnavais

* Por Conceição Pazzola

Embora vivesse numa cidade de interior, desde muito cedo aprendi o que é Carnaval, a pular atrás de bloco, a jogar água e talco em cima dos passantes desavisados, a fugir quando ninguém estava olhando e correr até o clube da cidade onde os irmãos mais velhos, mascarados e fantasiados, divertiam-se. Pendurada à primeira janela à vista, seguia-os com olhar de adoração, invejando-os, detestando ser ainda pequena, de menor idade. A glória máxima eram as matinés onde aproveitava para sacudir confete, serpentina e água nas outras meninas, e borrifar os meninos de lança perfume. Embora criança, penso que poderiam classificar- me de mala sem alça. Tanto incomodei, que os irmãos passaram a levar-me no meio deles para os bailes onde só podiam entrar adultos. Suspendiam-me pelas axilas e o porteiro fingia que não percebia, assim eles podiam divertir-se sem o aborrecimento de ter de levar-me de volta para casa. Sentada num banco chamado de “quem
me quer”, ocupado por moças solteiras sem namorado, de olhares lânguidos para os rapazes enfileirados no outro extremo do salão, o que me fez entender logo cedo que os homens podem ser medrosos na abordagem do que as mulheres, porque enquanto eles continuavam lá, rindo amarelo e olhando de relance, sem ânimo de arriscar-se para convidar a menina mais bonita e mais oferecida, ela perdia a paciência, puxava outra menina e juntas entravam na folia. Faziam questão de passar junto ao punhado de medrosos e jogar lança perfume, de preferência nos olhos. Ah, minha linda blusa branca de cigana, nunca esqueci a nódoa vermelha atirada com uma bisnaga por um desses molengas...
Acontece que o juiz de paz em pessoa, quando as filhas resolviam brincar no clube, percebia o truque e mandava que eles me levassem de volta à casa. Esse juiz de paz era o meu pesadelo, parecia multiplicar- se, onde eu estivesse lá estava, com suas lentes de fundo de garrafa ele enxergava duplamente.
Certa vez, papai foi convocado a acompanhar-nos ao clube. Cansados de interromper a brincadeira por minha causa, os irmãos bateram o pé. Naquela noite, se ele não fosse ninguém saia de casa, iam todos dormir cedo. No íntimo, eu sabia que era somente um truque. Quando me vissem dormir, eles sairiam muito fagueiros.
Ao chegarmos ao portão do clube, investido na sua autoridade paterna, Seu Alfredo fez a bobagem de perguntar se faltava alguma coisa. Enquanto isso os irmãos aproveitaram para escapulir de fininho, deixando nós dois do lado de fora.
Olhei em torno e vi a praça de Paulista como nunca vira antes. Quase não havia espaço entre as bancas de lança perfume, confete, serpentina, máscaras, chapéus coloridos, talco, bisnagas de água, pandeiros, reco-recos, manés gostosos... Pedi ao meu pai para comprar um lança perfume, não sobrara nenhum para mim.
Foi a deixa que ele precisava. Circulamos várias vezes aquela praça, esgueirando- nos no meio das bancas de bugigangas. Em todas, ele perguntava se vendia lança perfume e ouvia sempre a mesma resposta negativa. Quando o tempo passou, desconfiei que papai piscava para o vendedor, será?
Não me lembro como cheguei em casa, desconfio que papai carregou-me no colo e cuidadosamente ajeitou-me no travesseiro. Pela primeira vez os irmãos puderam esbaldar-se sem problemas.

• Poetisa

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