sábado, 10 de julho de 2010




Pedregal

*Por Márcio Juliboni

Apedreci.
Exageram os cristais
que partem o branco em sete cores.
Prefiro a sobriedade das pedras,
que o dividem em dois:
luz e sombra.

Considero longamente
faces pétreas.
Sorrisos angulosos.
Olhares duros.
Homens-escarpas.
Homens-rochedos.
Homens-seixos.
Homens-cacos.

Para entender os homens
é preciso geologia.
Por isso, tornei-me poedra.
Minha alma é rocha ígnea,
mas acuou-se pouco a pouco
em contato com a atmosfera.
Mudo enigmagma,
mede-se por suas retrações.

Vazio de ocos
para consciência,
sou coisa-em-si
e meu sentir é mineral:
sei do mundo um saber tátil
que me explica as intempéries
e os anos pelo que, de mim, se desprende.
Minha erosão é memória.
Meu pensar é litogravura:
não sou eu quem pensa,
mas o tempo que, sobre mim, se curva.
Sua reflexão é áspera;
cada conclusão, uma ranhura.
Minha dureza também o desgasta.
Demarcamo-nos pelo atrito.

OpaCidade! OpaCidade!
Minha alma fosca apenas a espelha e
reforça seu paradoxo adiamantado:
tão límpida ao olhar, quanto impenetrável.
Vasto céu arenoso!
Suas nuvens são desertos em romaria!
Seu poente, uma gema de muitos veios!
Estou incrustado em minha própria natureza:
uma ermensidão de cânions ajanelados
e cavas cascalhadas de indiferença.

Coexistência é um acomodar de arestas.
Um silêncio grita pela paisagem
com a rouquidão das pedras gastas.
Sobre essa rocha ígnea a que chamo alma,
eu sou todo sedimentos,
um aluvião de outrora certezas.
Minha imobilidade não é firmeza:
sou apenas incapaz de minha própria carga.
Um peso sem toneladas, nem volume,
um peso de inocência apedrecida.

O que de mim se move é a sombra.
Cravado neste pedregal,
observo-a girando ao meu redor
feito animal faminto,
ora aqui, ora no infinito.
Ela busca a luz, sua outra face,
pois só as pedras aceitam esta dura verdade:
luz e sombra são uma só - neglume!
As pedras sabem morrer uma eternidade...

*Jornalista, cobre Economia e Negócios no portal Exame. Trabalhou no serviço de notícias online, “Panorama Setorial”, do jornal Gazeta Mercantil, na Agência Estado e em várias revistas segmentadas. Iniciou a carreira na grande imprensa em 2000.

Um comentário:

  1. Humanizar o mais duro objeto que significa ausência de sentimento é para o verdadeiro poeta.
    Destaco:
    1- "não sou eu quem pensa,
    mas o tempo que, sobre mim, se curva.
    2- "As pedras sabem morrer uma eternidade..."
    Passeei na emoção da pedra.

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