sábado, 24 de julho de 2010




Oficio de trevas



* Por Virgílio Piñera

Papai ficou irremediavelmente cego.O oftalmologista foi categórico: sua idade avançada não permite uma operação. Arriscaria a vida. Portanto, papai é um cego a mais. Um cego com a respeitável idade de oitenta anos. Uma amiga da casa (famosa por sua “franqueza”) lhe disse: “Velho, preste atenção... Oitenta anos com um par de olhos que viram o bom; cinco ou dez para não ver o pior. Você é um homem de sorte”.
Papai não se consola com semelhante cálculo, mas se distrai exercitando a minha mãe na arte da cegueira. Do meu quarto ouço seu riso se a minha mãe tropeça num móvel ou se derrama o café que minha irmã pôs sobre a mesa. Ouço-o dizer: “Você nunca será uma boa cega”.
E, na verdade, minha mãe, que coloca a maior boa vontade nesse aprendizado, não consegue se acomodar à nova simulação. Além disso, faz brincadeiras. No começo, lhe permitia andar pela casa com os olhos simplesmente fechados. Logo percebeu que a minha mãe o enganava. Se aborreceu. Minha mãe começou a chorar e prometeu se emendar. Mas papai, desconfiado, lhe pôs uma venda nos olhos. “Agora você tropeça”, lhe dizia, “e até quebra o jarro que lhe dei no dia do nosso casamento. Não faz, contudo, uma semana que você gritou aos quatro ventos que jamais o quebraria. Não, não, Maria, você nunca será uma boa cega”.
Em troca, papai está encantado com sua neta. Essa sim é a “cega” perfeita. Tem que ver suas mãos apalpando, tateando as paredes, como que abrindo caminho para o resto do corpo, que, vitoriosamente, atravessa o labirinto dos quartos, seguida, de muito perto, pelas mãos trêmulas e o corpo vacilante do meu pai.
Hoje, finalmente, tivemos uma pequena festa. Papai completou seu primeiro ano de cego. Vieram parentes e vizinhos. Papai distribuiu vendas. A reunião ficou animadíssima, e o que é mais singular, os convidados não fizeram sacanagem. Papai apagou dezesseis velas das oitenta e uma postas no bolo. Depois, brindou com champanhe e até dançou.
Poderá, então, se dizer que a perda da vista é uma desgraça irreparável?

(Do livro "El que vino a salvarme", Sudamericana, 1970, texto traduzido por Pedro J. Bondaczuk)

* Poeta, romancista e dramaturgo cubano

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