quinta-feira, 22 de julho de 2010




Altamente mais ou menos

* Por Marcelo Sguassábia

COMO É QUE O SENHOR RESUME A SUA TEORIA?
É simples: a felicidade está na mediocridade – entendendo-se mediocridade como patamar médio, não como algo de qualidade sofrível. O ideal é sempre a média, é nela que residem o equilíbrio e a harmonia. Para aprovar ou reprovar um aluno, não tira-se a média de suas notas? E as fileiras do meio, não são as mais disputadas no cinema? Voltando à comparação com o universo escolar: o chatinho de óculos da primeira carteira, que uns chamam de cheira-bunda e outros de lustra-maçã, é um nerd insuportável. O da turma do fundão coloca tachinha na cadeira do professor. E ambos são repulsivos.
EXPLIQUE MELHOR.
Vou dar um exemplo: imagine uma maratona ou uma corrida de Fórmula 1. Nada como correr e terminar a prova no pelotão intermediário – nem na tropa de elite, nem no lodo dos retardatários. Os que estão no imenso cordão mediano correm numa boa, porque uma corrida precisa dos que estão no meio para que existam os que acabam nas pontas. É o pessoal que faz número, são os menos cobrados e ao mesmo tempo absolutamente indispensáveis.

SIM, MAS.
Os últimos recebem o desprezo e a chacota. Os primeiros, a inveja e a responsabilidade por um desempenho cada vez melhor. Um expoente em qualquer coisa é tão discriminado quanto um retardado naquela mesma coisa. Lembre-se, meu caro: o filé do peixe é aquela parte que fica entre a cabeça e o rabo.

SÓ QUE É A CABEÇA QUE COMANDA O PEIXE PARA BUSCAR ALIMENTO, E O RABO É QUEM O IMPULSIONA PARA CHEGAR ATÉ ELE.
Sim, e para quê? Para nutrir o resto do corpo e nos legar o seu filé, aquela parte que fica bem no meio... xeque-mate, senhor repórter!

ESTA É UMA FORMA UM TANTO QUANTO CONFORMISTA DE ENCARAR A VIDA, NÃO ACHA?
Pode ser para você, um sujeito visivelmente contaminado pela competitividade capitalista. Que segura trêmulo este microfone na minha cara, olhando a toda hora para o relógio e preocupado em ser o primeiro a levar esta minha entrevista às bancas amanhã. Não é isso mesmo?

SE EU NÃO FIZER ISSO, SOU MANDADO EMBORA. MAS, CONTINUANDO: EM DECLARAÇÕES RECENTES, O SENHOR AFIRMA QUE SUA TEORIA TAMBÉM SE APLICA ÀS RELAÇÕES FAMILIARES.
Evidente. O primeiro filho é sempre vítima de uma criação cheia de cuidados excessivos, de bajulações desnecessárias da parte dos pais e dos avós, o que acaba por estragar o indivíduo e torná-lo um parasita sem vontade própria, com traumas que farão as delícias e o sustento dos analistas. Já com o caçula, via de regra ocorre o oposto: a família já está tão de saco cheio de tantos filhos que cria o coitado de qualquer jeito. A vantagem fica com os filhos do meio, que herdam as roupas e brinquedos do primogênito e deixam a sucata para o mais novo da prole. Além disso, eles ficam livres da vigilância ostensiva dos pais – que estão mais ocupados em limpar o cocô do pequenininho e ficar procurando droga na mochila do mais velho. Pode reparar, é sempre assim.

FINALIZANDO, O QUE ACHOU DESSA ENTREVISTA?
Mais ou menos. Você não me entupiu de perguntas bestas, nem eu me alonguei muito nas respostas. E estando mais ou menos, para mim está ótimo.

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

2 comentários:

  1. Marcelo, o texto está excelente, longe de ser mais ou menos! Muito criativo! Adorei! Abraço!

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  2. Marcelo, você sempre me arranca pelo menos um sorriso, o que é memorável, pois eu não tenho nem um décimo do seu bom-humor. Assim, pode se considerar um escritor de ponta. Faço parte do grupo intermediário para que haja os de primeira linha como você. Não se encabule com a minha aparente bajulação explícita. Meu elogio é sincero.

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