sábado, 24 de julho de 2010




Sinuosas distâncias

* Por Urda Alice Klueger



Para Edson Ferretti

Em 1996, eu e minha amiga Lúcia olhamos para um mapa estendido à nossa frente, e decidimos: iríamos conhecer o Equador, a Colômbia e a Venezuela, países vizinhos, lá do lado de cima do mapa da América do Sul (Noroeste, para quem conhece pontos cardeais), juntinhos, pertinhos um do outro, terras fáceis de se percorrer em menos de um mês.

Decisão tomada, era necessário saber como ir. Comparamos distâncias e verificamos os preços das passagens aéreas: por um terço do preço da VARIG, a AEROPERU nos levaria de São Paulo a Quito, no Equador, e, uns vinte dias depois, nos pegaria de volta em Caracas, na Venezuela. De régua na mão, comparamos as distâncias entre as duas cidades: era mais ou menos a distância entre Blumenau e o Estado do Espírito Santo, no Brasil. Nosso raciocínio ficou fácil: ter-se vinte dias para ir-se de Blumenau ao Espírito Santo era um tempão, dava para conhecer um monte de coisas no caminho, sentir o sabor daqueles países desconhecidos, tão mal falados no Brasil (do Equador, mesmo, não sabíamos nadinha, nadinha), mas onde, tínhamos certeza, havia muito o que aprender sobre a nossa América.

Continuamos de régua na mão ao fazermos o nosso itinerário. Por exemplo, pegávamos a régua e medíamos a distância entre Ipiales, ao sul da Colômbia, e Bogotá, sua capital, e depois víamos que distância dava aqui no Brasil. Era mais ou menos o mesmo tanto que se ir de Blumenau a São Paulo. De Blumenau a São Paulo vai-se em dez horas de ônibus, e passamos a fazer a programação do nosso itinerário usando as comparações com as distâncias do Brasil.

Roteiro pronto, passagens na mão, mochila nos ombros, partimos para descobrir mais um pouco da América. Numa beleza de vôo, a AEROPERU nos deixou em Quito sem maiores problemas, a linda, fértil e fragrante cidade equatoriana, que nos encantou desde o primeiro momento, com sua gente de uma alegria ímpar e sua natureza privilegiada. Três dias depois, partíamos de Quito para o Norte, e depois de conhecer Ibarra, Otavala e San Antônio, penetramos na Colômbia.

Estávamos acostumadas com as estradas do Brasil, com suas suavíssimas curvas e suas pouquíssimas serras – não fizéramos conta de que, grande parte da nossa viagem, seria feita sobre os Andes, a grandiosa cordilheira que atravessa o nosso continente de norte a sul. Foi só quando nos vimos nas estradas andinas (por sinal, excelentes estradas, em toda a região), foi que nos demos conta de que viajar nos Andes era bem diferente de viajar no Brasil. Com todas aquelas montanhas, as distâncias ficavam muito, muitíssimo mais longas do que imagináramos. As rodovias se enovelavam nas montanhas, faziam todo o tipo de curvas para um lado, até contornar uma montanha toda – daí passavam a fazer todo o tipo de curvas para o outro lado, para contornar a montanha seguinte, e continuavam com suas fechadas curvas por mais umas dez mil montanhas. Resultado: trechos que imagináramos fazer em oito horas, acabavam devorando vinte e quatro horas do nosso tempo, davam-nos a sensação de que nunca mais iríamos chegar.

Os vinte dias que tínhamos para ir de Quito a Caracas, tempo que acháramos enorme, não passavam de uma merreca. Pensáramos que era como ir de Blumenau ao Espírito Santo pela BR-101, mas as montanhas tornavam as distâncias muito maiores.

Na verdade, foi muito legal andar por aquelas montanhas todas. Estávamos sempre a 2.000, 2.500 metros de altitude, e toda a região era muito fértil, com chuvas diárias, exuberantes florestas e intensa agricultura nas encostas das montanhas. Nunca esquecerei daqueles campos de muitos verdes e muitos amarelos, estendendo-se pelas montanhas até à beirada das neves eternas lá dos cumes, cenas inesquecíveis, que não imaginamos em países dos quais só se fala mal no Brasil.

O pior era quando a estrada dava uma descida: a gente pegava um ônibus em cima dos Andes, usando de todos os agasalhos de que se dispunha, e muitas horas depois o ônibus descia as montanhas e entrava num clima tropical, e se queria morrer de calor. Tirávamos todos os agasalhos, para, horas depois, tiritarmos à procura deles, porque de novo subíramos as montanhas e nos enovelávamos por suas curvas fechadas.

Inesquecíveis distâncias sinuosas, quando gostaria de lá voltar!

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. O tira e põe de agasalhos lembra o famoso "efeito cebola" dos paulistanos, que enfrentam todas as temperaturas num único dia. Tenho vontade de ir nos Andes, embora o frio me assuste bastante.

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