quinta-feira, 22 de julho de 2010




Preto com um buraco no meio

* Por Fernando Yanmar Narciso



Se existe uma coisa que quase todo mundo detesta fazer é a famosa faxina de verão. É uma tarefa ingrata para vagais que nem eu abrir cada armário e gaveta da casa, esvaziar tudo, espanar, polir, aspirar, lavar, descartar mais da metade das coisas que já não se usa mais e depois pôr o que restou de volta no lugar. Muita gente morre de preguiça de levantar a buzanfa do sofá e levantar poeira antiga dentro de casa, mas há ocasiões em que não há desculpa. Mesmo se sua perna estiver engessada e tiver acabado de remover um pulmão, tem de arregaçar as mangas e colocar uma vassourinha na ponta da muleta.
Hoje, a faxina começou assim que eu acordei. Fui incumbido de retirar e limpar todos os discos de vinil do armário. Sim, compañeros, nós ainda possuímos nossa coleção de vinis. Pouco menos de 400 preciosidades que fariam qualquer dono de sebo babar. Quando eu me deprimo, me dá crise de nostalgia dos tempos em que viver era bem mais fácil. E nada diz mais sobre a palavra nostalgia que as músicas que embalaram nossas vidas, concordam?
Difícil de acreditar, mas dos anos 1920 até meados dos anos 80, vinis eram, ao lado do rádio, as únicas formas de se consumir música. Posteriormente, inventaram as 8-tracks, precursoras das fitas K-7, iniciando a era do entretenimento descartável. Só os tarados por música como eu e meus pais ainda guardam aquelas fitinhas de 35 anos de idade, com aquela qualidade sonora “imaculável”, que viviam embolando no aparelho de som e que perdiam todos os dados gravados se ficassem embaixo do sol ou muuito tempo sobre a caixa de som, ou simplesmente abandonadas.
De qualquer forma, voltemos aos “bolachões”. Todas aquelas capas de papelão são um verdadeiro coquetel de fotos, cores e, na maioria dos casos, falta de bom senso.
Em tempos que PCs e Photoshop eram coisas inimagináveis, a indústria fonográfica tinha de transformar grávidas em virgens para entregar um produto diferenciado ao público, principalmente nos tempos dos hippies e do LSD. É tanta foto mal batida e montagens bem intencionadas, porém com resultados atrozes, que a gente fica sem saber se dá risada ou se sente pena. Já comentei aqui sobre o pavor que eu sentia do disco Bazar Brasileiro de Moraes Moreira, mas esse disco não foi o único a me assombrar na infância.
O disco da Sandra de Sá que incluía Joga fora no lixo tinha uma das criações em papel- machê mais pavorosas da história fonográfica. Também o disco Drama 3º ato de Maria Bethânia vinha com uma pintura bizarra sobre a foto dela que a deixou a cara de uma Na’vi. Rita Lee sempre foi a namoradinha dos roqueiros, mas suas capas de discos sempre tiveram gosto duvidoso. Uma que me apavora até hoje é aquela onde ela aparece grávida na contra-capa do lado do maridão Roberto de Carvalho, e na capa exibe uma palidez mórbida com batom vermelho, que a deixaram parecendo um integrante de banda de black metal. Noutro disco, os dois aparecem nus num mar... De celofane azul! Uma que ninguém nunca se esquece é a clássica dos Secos & Molhados, com suas cabeças em bandejas, verdadeiro clássico do mau gosto. Mas com certeza, uma das que nem dá pra acreditar como conseguiu passar impune pela censura da época foi a do disco Mulher, de Erasmo Carlos. Nela, Narinha, a mulher dele, aparece dando-lhe de mamar. Detalhe: ambos adultos! Queria “des-ver” isso, por favor...
Acreditem, até os idos de 1994 minha casa ainda não tinha um CD player. Possuíamos um velho e pesado aparelho de som Gradiente de madeira e metal com vitrola, toca-fitas e rádio. Todas as músicas inesquecíveis de minha vida, as que eu ouço ainda hoje, eu conheci via vinis, de MPB até minha inestimável coleção de discos dos Beatles, da época em que foram gravados. Assim que as bolachas pretas foram descartadas e substituídas por disquinhos descartáveis, a música também se tornou descartável. Duvido que qualquer um de vocês vá se lembrar de qualquer música que figura nos Top 10 das rádios de hoje daqui a 10 ou até cinco anos. Por outro lado, todo mundo se lembra da trilha sonora de Roque Santeiro ou do Gita de Raul Seixas.
Fácil de entender porque a venda de CDs diminuiu tanto em detrimento do MP3. Quando uma capa de LP rasgava-e comigo por perto, isso era de hora em hora quando criança- bastava passar uma fita adesiva na capa e tudo ficava numa boa. Já quando aquela capinha de plástico nojenta do CD se estilhaça em mil pedaços, não tem jeito. Só outra, ou então ele fica no relento.
Bem, de volta à faxina..


* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

Um comentário:

  1. Gostosa volta ao passado, que o seu texto proporciona. Estranha nostalgia para quem mal passou dos 25 anos. Manifesta saudade de um tempo que não viveu. Falou tudo em termos de saudade musical. Vai e leva todos junto com você.

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