quarta-feira, 21 de julho de 2010




Aos clássicos, o licor, mas aos novos...



* Por Marco Albertim

Caso singular o do escritor Urariano Mota. Na menção aos clássicos, rodopia como um peru, feliz; frente aos novos, inda que com a estima da consagração, encolhe-se feito um caramujo...! Há aí o zelo do próprio perfil, a lealdade e o temor de não se arrimar à gênese. Não o faz com vezo sectário, contudo. Uma confissão sua, da que lhe tira das entranhas arroubos do próprio culto, é rara; rara e escassa. Da derradeira vez, foi escasso, mas mais rico que um verbo abundante. Disse-o, por certo sem esconder um esgar numa das faces: “Mas diante da alternativa de horas mortas, me consolo com o pensamento de que nada é mais moderno e recente que um clássico.” Bravo Urariano! Antevê a vida curta e preliba-se antes que o tolham do repasto literário. Admite que é “um risco.” E quase numa concessão, declara que já leu “os chamados poetas marginais do Recife.” – “Senti um alumbramento.” O arremate pode ser traduzido também assim: Por favor, não me atirem pedras!

No romance Os corações futuristas, mostrou-se abundante já no segundo parágrafo, posto que “Eram crianças crescidas, e isto mais se ressaltava no fato de terem sido chamados, forçados, à responsabilidade de adultos. Se usassem calças curtas, e brincassem de bola, e escorregassem de tobogã, se empinassem papagaio nas campinas, mais propriamente estariam em seu elemento”. A prolixidade, ainda que o seja, decorre do esforço de captura da silhueta de cada um dos moços optantes da luta revolucionária. Mas no romance seguinte, recente, tão preciso quanto épico, diz para focar a personagem título, picada pela suspeita de traição: “Há nessa voz um quê de falso, Soledad percebe. Então ela recebe um novo estremeço e se põe de pé.” Tão exato quanto um cirurgião no uso da pinça para arrancar um graveto miúdo do pé de uma criança. Soledad – Soledad no Recife – afigura-se indefesa, refém, penhorada no porvir, bela!
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Urariano Mota é herdeiro dos clássicos; ele dá-se conta disto. Não o diz porque ser-lhe-ia um estorvo no próprio juízo. Mas já se apossou, ele, das similitudes que há entre Machado de Assis e Murilo Rubião? Melhor dizendo: entre o segundo e o primeiro? Rubião morreu 83 anos depois do bruxo; machadiano, deu conta do próprio culto, confessara-o. É um clássico o mineiro. Em História de uma fita azul, de Machado, o personagem – Gustavo – peregrina em busca da fita que a noiva lhe dera, sob a ameaça de não ter o casamento consumado. Em Epidólia, de Rubião, o personagem – Manfredo – distrai-se e não vê a namorada sumir no parque de diversões. Peregrina. Em ambos o périplo é aflitivo, tem por fim a recuperação de sentimentos afins; a busca se dá entre parentes, afins e estranhos. O Machado mulato trouxe à luz Pulquéria, noutro conto. O Rubião mulato pariu Epidólia. Na fantasia dos dois, a fantasmagoria dos nomes; no mérito, a incrustação dos nomes no perfil das personagens.

Diz, Urariano, que espera a opinião dos outros. É um risco mesmo, sobretudo em se tratando de um escritor comprometido. Se lhe cabe, no ofício, descobrir uma saída na parecença intrincada do seres, cabe-lhe antecipar-se. Não que deva dar as costas aos outros, visto que no rico ano 68, ele descobriu a importância de Caetano Veloso por meio de um amigo. Importância estética num período em que os valores eram represados. Sua opinião é uma moeda de duas faces; numa, há um culto exemplar; noutra, nada se escreve.

Urá! Aos clássicos, o licor da sinhá-velha. Aos novos, a prosaica cachaça.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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