segunda-feira, 3 de abril de 2017

Consolação ou humor?

A imaginação, se ou quando bem-utilizada, nos é altamente benigna. Serve-nos de consolo por aquilo que não conseguimos (e que não podemos) ser, permitindo-nos apelar para outras características ao nosso alcance, que compensem nossas fraquezas e contradições e nos valorizem. Ademais, nos possibilita que venhamos a desenvolver senso de humor. Que, em vez de nos afligirmos com nossas trapalhadas e deficiências, possamos rir delas, sem qualquer complexo ou constrangimento.

Apenas pessoas que confiam no que são (e no que podem fazer) e, sobretudo, imaginativas, sabem rir dos próprios defeitos e tropeços. Em contrapartida, as que buscam dissimular suas evidentes falhas, dando a entender que se tratam de virtudes, caem no ridículo, sem que sequer se apercebam. São destituídas de imaginação, ou não a usam de forma adequada e, por isso, sofrem em dobro: pelo que não são e pelo que são.

Pessoas desse tipo parecem sofrer de perpétua “auto-idolatria” (e classifico isso, sem pestanejar, assim mesmo, de sofrimento). São indivíduos que se apaixonam pela própria imagem e acabam se afogando no regato do ridículo. Adoram o próprio umbigo e sentem-se (ou pelo menos agem) como se fossem o centro do universo. Evidentemente, não são! Esse tipo de postura é caminho mais do que certo para acumular decepções, mágoas, rancores e profundíssimas frustrações.

Indivíduos que agem dessa forma – e não necessariamente os paranóicos megalomaníacos – acabam garantindo, mais cedo ou mais tarde, a clientela dos psiquiatras (e isso quando se dão conta da sua distorção comportamental e tentam corrigi-la), quando não se tornam presas fáceis de charlatães, que lhes subtraem, sempre que podem, até o derradeiro centavo. Bem feito!

E tudo por que? Porque são despidos de imaginação. Porque não sabem rir das próprias deficiências e colocá-las no devido lugar. Por não se darem conta de que os que zombam deles são tão imperfeitos e contraditórios (quando não muito mais) do que eles.

Quem, alguma vez na vida, não desejou ser um craque de futebol famoso, ou um mega-star de música pop, ou um ator consagrado que impressione todas as mulheres (e durma com muitas delas) etc.etc.etc.? Quando crianças, ao nos perguntarem o que desejamos ser quando crescermos, via de regra citamos quatro ou cinco atividades que, no íntimo, sabemos que nos são interditas, como astronauta, piloto de Fórmula 1, centro-avante da Seleção Brasileira de Futebol e assim por diante. E quantos conseguem essa façanha? Pouquíssimos, não é verdade?

Por outro lado, quantas pessoas se sentem efetivamente satisfeitas com o que de fato são? Embora não pareça, são poucas, muito poucas, diria que em quantidade irrisória. Algumas fazem dessa insatisfação – que na medida certa é saudável – mola propulsora para grandes realizações. Outras... sentem-se inúteis, derrotadas, inferiores, imprestáveis e caem em depressão. Valorizam-se em demasia e quando descobrem que não são o que pensavam que fossem, se sentem perdidas. Carecem de imaginação. Não podem, não querem e não sabem relevar os próprios defeitos e muito menos rir deles.

Os que têm essa faculdade, ou seja, os que não se levam tão a sério assim, não raro até ganham uma profissão que os pode consagrar. Tendem a tornar-se humoristas, por que não? Afinal, as cenas mais engraçadas e hilariantes são as que refletem deficiências, trapalhadas, tolices etc., nossas e dos outros. Ninguém ri de virtudes, da competência e do talento. Estas características, no entanto, infelizmente são raras, daí terem tamanho valor.     

Quando criança, eu quis ser, quando crescesse, pela ordem: cientista, escritor, peão de rodeio, centro-avante, médico, músico e pintor. E tudo ao mesmo tempo. A fértil imaginação fez com que, pelo menos na minha mente, eu fosse, de alguma maneira, tudo isso simultaneamente.

Se eu disser que não me frustrei com o fato de não ter conseguido atingir a maioria desses objetivos, estarei mentindo. Como gostaria de ter vocação para a música! Não tenho. Como eu queria ser um artista plástico, um Rembrandt, um Rubens, um Monet ou um Rafael! Nunca passei, todavia, sequer próximo a isso.

Mas de sete desejos, concretizei, ao menos, um. Nada mau, não é verdade, se levar em conta que a maioria das pessoas não concretiza nenhum?. Sou escritor. Se bom ou ruim, não me compete julgar. Claro que conheço minhas deficiências e, estejam certos, me divirto com elas.

Rio das minhas distrações. Comento, sem nenhum escrúpulo, minhas trapalhadas, as infinitas mancadas que dou praticamente todos os dias e as perpetuo em textos. E apesar dos meus (felizmente poucos) inimigos me acusarem de narcisismo intelectual, não me considero belo, nem sábio e nem charmoso. Talvez me ache (embora não tenha certeza) um tantinho competente no que faço. Se não for, também, não irei considerar essa inabilidade nenhuma tragédia. Afinal, tenho imaginação, que me consola e faz com que ache graça naquilo que desespera tanta gente.

Boa leitura!

O Editor.

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Um comentário:

  1. Belo, se não se julga assim agora, pelo menos já foi. Vi fotos. O humor é a crítica mordaz das imperfeições, burrices e outras fraquezas. Tudo politicamente incorreto faz rir.Você está certo. Errado está em achar que quem enche os consultórios psiquiátricos tenha culpa das suas fraquezas. As doenças mentais graves são determinadas geneticamente e não há escolha a não ser penar do sofrimento mental que as crises trazem. Mas você geralmente acerta. Não ligue para os inimigos. Você não precisa convencer ninguém, e mesmo assim convence.

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