terça-feira, 6 de setembro de 2016

Epílogo



* Por Alberto Cohen



Por que teus lábios tremiam? E a canção que tentavas cantarolar, quando inventaste?

Entre nós dois, a mesa que escolhemos juntos era agora um campo neutro, onde dois generais inimigos negociavam a rendição e a derrota, paradoxalmente, de ambos.

Nos olhos ardilosos de negaças, cada um procurava antecipar as reações do outro para argumentar as réplicas e tréplicas da discussão cansada e exaurida.

Por que o calor no meu rosto e o frio nas minhas mãos suadas?

Por que a imagem, refletida em tuas pupilas, de um velho maldoso e feio, cheio de rancores e mágoas, que eu queria tanto não ser? Quanto sofri por me veres assim.

Por que tamborilavas com os dedos na madeira, nervosa e impaciente, dizendo coisas que não pareciam ditas por tua boca? Talvez uma declaração de amor e um beijo tivessem o poder de desencantar-te.

Por que, inesperadamente, a vontade de tomar-te nos braços, no colo e acarinhar-te por muito tempo? Quem sabe, carícias e tempo pudessem transmudar-te na mulher de antigamente.

Por que não te lançaste em meus braços ou me tomaste ao colo, dizendo as palavras mágicas que sabias dizer, mas esqueceste? Choraríamos juntos e a ternura e a luz retornariam do lugar nenhum para onde as expulsamos.

Por que, na despedida, não reeditamos o final de Casablanca? Teríamos, ainda, Paris.

Por que esta sensação, que sinto e, talvez, sentes, de gêmeos separados, bruscamente, que vão se procurar por toda a vida?


* Poeta paraense.

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