quarta-feira, 7 de setembro de 2016

 Acerca das chuvas


* Por Wilson Freire


Chuva leva essa tristeza
Deixa o passado pra quem não sai de lá
(João Menelau - o vício - Banda Semente de Vulcão)


A cidade onde moro é anfíbia. Não é não? Foi roubada das águas dos rios Capibaribe e Beberibe e de mais um cardume de córregos e riachos. Foi ou não foi? Foi roubada dos mangues, das várzeas. Foi não? Expulsamos os siris, os caranguejos, soterramos tudo. Ãh? E então? Barragem de Tapacurá, Carpina? Empatando o caminho natural das águas pro mar. Não estão? Um poeta alemão, Bertold Brecht, vendo coisas parecidas na vida e na natureza escreveu: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". Pronto. Matou a charada. Não vou escrever mais nada depois desta. Vou só transcrever uns versos que escrevi  e publiquei no num livro meu, "Um Espaço de Ausência", no ano de 1981.

CICLOS

E o sol bate
e cora toda zona sul
e faz bronze
das carnes doiradas
de olhos azuis
de gringos falando blues
e vai batendo, batendo
engole a roça de João
e tange a raça de João.
E cai a chuva
e lava as ruas do centro
e eu sinto o cheiro da chuva.
E vai caindo, caindo
derruba os barracos do morro
invade as palafitas dos mangues
e eu sinto o cheiro de mofo
e eu sinto o cheiro de lama
e eu sinto cheiro de sangue.
E  eu nunca mais vi João.



* Médico, compositor, escritor, cineasta, diretor da Candiero Produções Audiovisuais.

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