Escalando o cume
deste dia
O “universo” de Jorge Luís Borges (cujo
nome completo, extenso e pomposo, é Jorge Francisco Isidoro Luís Borges
Acevedo) é fascinante, variado, precioso
e, sobretudo, inovador. Para melhor
usufruí-lo, é necessário que tenhamos razoável nível de cultura geral, com
conhecimentos pelo menos elementares de história, das artes e, acima de tudo,
das letras. Quanto mais, melhor. Sem nenhum exagero, é exatamente como “universo”
que entendo que sua relativamente vasta obra deve ser caracterizada. Seus
livros (mesmo os de ficção) não são para serem lidos afoitamente, como se lêem esses
tantos romances “água com açúcar”, escritos, apenas, para nos entreter em
modorrentos dias de folga, chuvosos e frios, sem nada de melhor para fazer e
não para refletirmos a propósito da complexíssima vida e da consequente complexidade
humana. Esse tipo de Literatura, se é que podemos lhe atribuir tão nobre
caracterização, prioriza a ação, em detrimento da reflexão. Tais livros podem
ser (e não raro são) até que bem escritos. Porém... carecem de conteúdo. Entre
outras superficialidades, essas histórias têm personagens absolutamente óbvios,
sem os mistérios, as surpresas e as contradições que caracterizam, de verdade,
os seres humanos. Os contos de Borges, todavia, não são assim. Destaque-se que
a produção de romances jamais fascinou esse erudito mestre das letras.
Uma das características da obra
borgiana, quer em prosa quer em poesia, é a onipresença de determinados
elementos que eram suas obsessões. Lembro, entre estes, labirintos, tigres,
adagas e espelhos, aos quais, à certa altura – a partir do livro “Elogio da
sombra”, de 1969 – acrescentou a velhice e a ética. Com esses frágeis fios
oníricos, ou mágicos, teceu nossos sonhos de deslumbrados leitores. Jorge Luís
Borges é um dos escritores que mais satisfação me dá em “devassar” seus textos,
em procurar neles mensagens embutidas, não óbvias, subliminares talvez, embora
me exija grande esforço, concentração absoluta e total, para não me perder em
seu complexo raciocínio. Talvez justamente por isso me desperte tanto fascínio,
sei lá. O escritor e ensaísta John Maxwell Coetzee disse a seu respeito:
"Borges, mais do que ninguém, renovou a linguagem de ficção e, assim,
abriu o caminho para uma geração notável de romancistas
hispano-americanos". Foi, portanto, um desbravador.
Embora seus livros tenham sido escritos
para serem lidos, obviamente, (apesar de muitos, da maioria dos
"escrevinhadores" contemporâneos, não serem legíveis e não passarem
de exercícios de vaidade e fatuidade) conferindo-nos, aos que os devoramos com
voracidade, papel mais nobre, reitero, do que o de meros leitores – o da
co-autoria no ato da sua interpretação – sinto-me um intruso ao percorrer cada
meandro da sua mágica literatura. Mormente dos seus contos, gênero literário da
minha predileção.
Trata-se de um escritor com o qual
sempre tive empatia, profunda afinidade, de alguém a quem "invejei" (mas
com “inveja saudável” ditada pela veneração) por haver atingido o "cume da
montanha" que há tanto tento escalar e da qual me encontro, ainda, na
base, na periferia, nos arredores olhando deslumbrado sua altura, namorando o
pico, disposto a empreender a escalada sem medir o esforço necessário e nem
atentar se tenho ou não capacidade, competência e energia para a empreitada. Borges
é meu modelo, meu paradigma, meu referencial, meu guru na difícil e nem sempre
compensadora tarefa (ou seria mania?) de escrever. Como ele, desejo ser simples
nos meus textos, compreensível pela generalidade – já que a totalidade seria impossível – das
pessoas, sem descambar para a infantilidade. Como ele, pretendo semear sonhos,
como exímio prestidigitador. Como ele, quero sentir alegria, prazer, satisfação
de escrever.
A esse respeito, Borges afirmou em seu
livro "Elogio da sombra – um ensaio autobiográfico": "(...) O
beletrismo é um equívoco e um equívoco nascido da vaidade. Acredito firmemente
que a boa literatura deve ser escrita com modéstia". Esta simplicidade,
todavia, não implica em desleixo com a linguagem. Não significa se descuidar
das regras ortográficas e gramaticais. Não admite empolação, empulhação,
enganação ou falsa erudição. Muito pelo contrário.
Á medida que envelheço, entendo cada
vez mais que as coisas realmente importantes são as que não aparentam ter
importância. É o cotidiano. É a rotina. São as pequenas e em geral anônimas
manifestações de simpatia diárias representadas pelo sorriso de uma criança,
pelo cumprimento de um vizinho, pelos espontâneos gestos de cortesia nos
ônibus, nos elevadores ou na rua de pessoas absolutamente estranhas. É a
"escalada do cume" de cada dia. Essa expressão é
"emprestada" de Borges. Mais especificamente do poema "James
Joyce" que diz:
"Num
dia do homem estão os dias
do
tempo, desde aquele inconcebível
dia
inicial do tempo, em que um terrível
deus
prefixou os dias e agonias
até
aquele outro em que o ubíquo rio
do
tempo terrenal torne à sua fonte
que
é o Eterno, e se apague no presente,
o
futuro, o ontem, o que agora é meu.
Entre
a alva e a noite está a História
universal.
Do fundo da noite vejo
a
meus pés os caminhos do hebreu
Cartago
aniquilada, Inferno e Glória.
Dá-me,
Senhor, coragem e alegria
para
escalar o cume deste dia".
Faço minhas estas palavras.
Transformo-as em estribilho, em mantra, em prece de cada alvorecer. Faço delas
dístico, lema, slogan em minha vida. "Dá-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia". Dá-me sabedoria e humildade para alegrar,
orientar e trazer esperanças a conhecidos e estranhos, a amigos e inimigos, às
pessoas que amo e às que nunca conseguirei amar... Grande Borges, com seu
fascinante e mágico “universo”!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Foi subindo no transcorrer do texto, e, surpresa! atingiu o ápice ao final. Chegou ao cume da montanha, e do texto borgiano também destaco "Dá-me sabedoria e humildade para alegrar, orientar e trazer esperanças a conhecidos e estranhos, a amigos e inimigos, às pessoas que amo e às que nunca conseguirei amar..." Há tantos que jamais amarei. Será que conseguirei alegrá-los?
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