Tempo de criar
* Por Pedro J. Bondaczuk
O filósofo Karl Hilty, com cujas idéias entrei em contato recentemente, através de um livro emprestado por um amigo, afirma que “a vida tem de ser um progresso infindável. Até o último instante, cada dia deve ser um ato de criação”. Não há, portanto, um tempo predeterminado para criar. E nem esse exercício deve ser voltado exclusivamente para a obtenção daquilo que se entende por riqueza.
Podemos, e devemos, ser criativos em todos os momentos da nossa passagem pelo mundo, cujo prazo (felizmente) desconhecemos e até nas mínimas ações. Compete-nos agir sem dogmatismos e sem quaisquer amarras que não sejam as da razão.
Preconceitos apenas nos servem de freios. Hilty, ao falar de progresso, evidentemente não se refere à idéia mais comum que se tem dele, aquele material, da obtenção e acúmulo de coisas, de objetos e de valores estabelecidos mediante convenções.
É no terreno do pensamento que o homem se realiza e se identifica como o mais nobre dos animais, por contar com a capacidade ímpar da inteligência, do raciocínio e do livre-arbítrio. Por isso, limitar as oportunidades de trabalho de uma pessoa a uma determinada idade é, não somente um desperdício, mas uma agressão.
Se o jovem conta com a força a seu favor, o indivíduo de mais idade tem o recurso da experiência, da vivência, do bom-senso que só os muitos anos de vida conferem. Competência e criatividade não são questões de cronologia, mas de cabeça.
Quem abre mão da luta e se apavora diante das barreiras aparentemente intransponíveis do preconceito e do descaso, já está socialmente morto. O grande equívoco das pessoas é achar que toda a atividade, principalmente a intelectual, deve visar, necessariamente, o lucro. Pelo contrário. Não deve ser considerada um sacrifício, uma obrigação, uma pesada carga, um fardo a carregar, mas uma oportunidade que a vida dá a determinados indivíduos para que se realizem enquanto seres racionais.
Quem permanece ativo, e competente, e criativo, não precisa se preocupar com o aspecto material. Sempre haverá quem queira lançar mão de seus préstimos, já que, por mais preconceituosa e inconsciente que seja uma sociedade, ninguém comete a tolice de mandar para a panela a “galinha dos ovos de ouro”.
São inúmeros os exemplos de profissionais brilhantes que se destacam exatamente depois que se aposentam. Outros, não se afastam jamais de suas atividades, até a hora da morte. Cito de memória, por exemplo, o caso de Barbosa Lima Sobrinho, que mesmo próximo de se tornar centenário, presidiu, com raro brilho, a Associação Brasileira de Imprensa e era referencial obrigatório na discussão das grandes questões nacionais.
Sobral Pinto advogou praticamente até morrer. O economista Octávio Gouveia de Bulhões orientou gerações, mesmo centenário. Sir Bertrand Russell, aos 90 anos, enfrentou a polícia britânica inúmeras vezes, em manifestações ora contra a guerra do Vietnã, ora contra a corrida armamentista nuclear, ora pela causa da defesa dos direitos humanos. E toda essa atividade exerceu com rara lucidez e muito brilho.
A grande dama do conto policial, Agatha Christie, produziu os seus melhores e mais instigantes livros depois dos oitenta anos. Albert Schweitzer, nonagenário, mantinha uma atividade diária tão febril, como nenhum moço de 18 anos conseguiria manter.
Além de dirigir e sustentar com seus próprios recursos um hospital para leprosos, na África, escrevia obras de filosofia, compunha músicas e divulgava seu trabalho assistencial através do mundo, mediante conferências, palestras e simpósios.
Eles não foram casos excepcionais. Apenas tiveram a visão correta do objetivo da nossa passagem pelo mundo. Não estamos aqui para “juntar” coisas, mas para deixar obras, idéias, conceitos e exemplos. Só assim se envelhece com dignidade e se deixa saudade ao morrer.
O que representa, isto sim, uma espécie de suicídio, é alguém, a pretexto de cansaço ditado pela idade, abrir mão de ser ativo. Tal pessoa, em princípio, estará se indispondo consigo própria. A imagem que fazemos de nós mesmos é aquela que o mundo aceitará sem pestanejar. Pois, como bem escreveu Carlos Drummond de Andrade, no poema “Aquarela”: “Qualquer tempo é tempo/a hora mesma da morte/é hora de nascer”.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
* Por Pedro J. Bondaczuk
O filósofo Karl Hilty, com cujas idéias entrei em contato recentemente, através de um livro emprestado por um amigo, afirma que “a vida tem de ser um progresso infindável. Até o último instante, cada dia deve ser um ato de criação”. Não há, portanto, um tempo predeterminado para criar. E nem esse exercício deve ser voltado exclusivamente para a obtenção daquilo que se entende por riqueza.
Podemos, e devemos, ser criativos em todos os momentos da nossa passagem pelo mundo, cujo prazo (felizmente) desconhecemos e até nas mínimas ações. Compete-nos agir sem dogmatismos e sem quaisquer amarras que não sejam as da razão.
Preconceitos apenas nos servem de freios. Hilty, ao falar de progresso, evidentemente não se refere à idéia mais comum que se tem dele, aquele material, da obtenção e acúmulo de coisas, de objetos e de valores estabelecidos mediante convenções.
É no terreno do pensamento que o homem se realiza e se identifica como o mais nobre dos animais, por contar com a capacidade ímpar da inteligência, do raciocínio e do livre-arbítrio. Por isso, limitar as oportunidades de trabalho de uma pessoa a uma determinada idade é, não somente um desperdício, mas uma agressão.
Se o jovem conta com a força a seu favor, o indivíduo de mais idade tem o recurso da experiência, da vivência, do bom-senso que só os muitos anos de vida conferem. Competência e criatividade não são questões de cronologia, mas de cabeça.
Quem abre mão da luta e se apavora diante das barreiras aparentemente intransponíveis do preconceito e do descaso, já está socialmente morto. O grande equívoco das pessoas é achar que toda a atividade, principalmente a intelectual, deve visar, necessariamente, o lucro. Pelo contrário. Não deve ser considerada um sacrifício, uma obrigação, uma pesada carga, um fardo a carregar, mas uma oportunidade que a vida dá a determinados indivíduos para que se realizem enquanto seres racionais.
Quem permanece ativo, e competente, e criativo, não precisa se preocupar com o aspecto material. Sempre haverá quem queira lançar mão de seus préstimos, já que, por mais preconceituosa e inconsciente que seja uma sociedade, ninguém comete a tolice de mandar para a panela a “galinha dos ovos de ouro”.
São inúmeros os exemplos de profissionais brilhantes que se destacam exatamente depois que se aposentam. Outros, não se afastam jamais de suas atividades, até a hora da morte. Cito de memória, por exemplo, o caso de Barbosa Lima Sobrinho, que mesmo próximo de se tornar centenário, presidiu, com raro brilho, a Associação Brasileira de Imprensa e era referencial obrigatório na discussão das grandes questões nacionais.
Sobral Pinto advogou praticamente até morrer. O economista Octávio Gouveia de Bulhões orientou gerações, mesmo centenário. Sir Bertrand Russell, aos 90 anos, enfrentou a polícia britânica inúmeras vezes, em manifestações ora contra a guerra do Vietnã, ora contra a corrida armamentista nuclear, ora pela causa da defesa dos direitos humanos. E toda essa atividade exerceu com rara lucidez e muito brilho.
A grande dama do conto policial, Agatha Christie, produziu os seus melhores e mais instigantes livros depois dos oitenta anos. Albert Schweitzer, nonagenário, mantinha uma atividade diária tão febril, como nenhum moço de 18 anos conseguiria manter.
Além de dirigir e sustentar com seus próprios recursos um hospital para leprosos, na África, escrevia obras de filosofia, compunha músicas e divulgava seu trabalho assistencial através do mundo, mediante conferências, palestras e simpósios.
Eles não foram casos excepcionais. Apenas tiveram a visão correta do objetivo da nossa passagem pelo mundo. Não estamos aqui para “juntar” coisas, mas para deixar obras, idéias, conceitos e exemplos. Só assim se envelhece com dignidade e se deixa saudade ao morrer.
O que representa, isto sim, uma espécie de suicídio, é alguém, a pretexto de cansaço ditado pela idade, abrir mão de ser ativo. Tal pessoa, em princípio, estará se indispondo consigo própria. A imagem que fazemos de nós mesmos é aquela que o mundo aceitará sem pestanejar. Pois, como bem escreveu Carlos Drummond de Andrade, no poema “Aquarela”: “Qualquer tempo é tempo/a hora mesma da morte/é hora de nascer”.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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