sábado, 6 de agosto de 2011



Olhos nos olhos

* Por Clóvis Campêlo

Nos anos 70, Chico Buarque de Holanda negou-se a ceder a sua música “Olhos nos olhos” ao Laboratório Moura Brasil para fazer um comercial de colírios, onde apareceriam em close os olhos verdes do compositor. Com a recusa, deixou de ganhar um milhão de cruzeiros, na época, uma quantia significativa.
Entendia Chico que o uso da sua música e da imagem dos seus olhos, estimulando o consumo indevido e inadequado dos produtos do laboratório, desgastaria a sua figura de artista, além de contribuir para induzir o consumidor de forma enganosa.
Para quem não se lembra, o colírio Moura Brasil, um vaso dilatador ocular, era o preferido por 9 entre 10 consumidores da famosa cannabis sativa. Naquela época, quem não tinha óculos escuros usava colírio, contrariando a sentença máxima de Raul Seixas, o maluco beleza que afirmava o contrário.
Isso tudo me vem à lembrança agora com a participação da cantora Sandy na propaganda da cerveja Devassa, da Cervejaria Schincariol. Hora, se Sandy, na sua condição de patricinha, não bebe e não suporta cerveja, por que a participação no comercial? Típico caso de um mercantilismo mercenário e de uma propaganda enganosa. Um verdadeiro caso de topa tudo por dinheiro, onde os fins justificam os meios e derrubam qualquer tipo de impedimento ético ou moral.
É comum vermos artistas diversos venderem-se ao sistema e permitirem que suas imagens sejam associadas a produtos quem nem sempre possuem as qualidades a eles atribuídas. Essa é a lógica da sociedade de consumo em que vivemos e que tem o deus lucro como seu maior totem.
Esse tipo de raciocínio já se tornou tão comum entre nós, que, anos atrás, todo mundo se ressentiu e criticou a “falta de ética” do sambista Zeca Pagodinho, que “traiu” a própria Schincariol ao retornar aos comerciais da Brahma, sua cerveja predileta.
Nessa guerra das cervejas, aliás, até o treinador da seleção brasileira de futebol, Mano Menezes, já se permitiu aparecer na telinha oferecendo aos incautos a péssima cerveja Kaiser, substituindo o baixinho que, com o seu papagaio, durante anos, contrariou as leis brasileiras de preservação da fauna.
Ao que consta, a participação de Sandy na mídia, vendendo a cerveja que não toma, já é um sucesso, colocando em destaque a cervejaria e o seu novo produto.
Quanto a mim, que tenho me guardado para quando o carnaval chegar, ficarei aqui no meu cantinho, olhando o tempo passar, sentindo a brisa morna deste final de verão recifense e tomando a minha cerveja preferida, aquela que é suave e desce redonda.
Deixa a devassidão dos outros pra lá.



* Poeta, Jornalista e radialista

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