terça-feira, 5 de julho de 2011



Um “príncipe” da poesia

A
cidade em que resido, Campinas, homenageia, todos os anos, no mês do seu aniversário, um de seus filhos mais ilustres. Em todo o início de julho, do dia 4 ao dia 11, celebra a Semana Guilherme de Almeida, que objetiva manter viva a memória desse escritor de destaque nacional. Como não poderia deixar de ser, a Academia Campinense de Letras – a qual tenho o privilégio e a honra de integrar há já 19 anos – dedica programação especial ao escritor nessa época. No ano 2000, fui convidado a fazer preleção sobre a vida e a obra do “Príncipe dos Poetas Brasileiros”. Reproduzo, abaixo, alguns trechos dessa intervenção.

“Há pessoas cujas trajetórias de vida são tão luminosas, cujos atos são tão nobres e construtivos, cujas idéias são tão lúcidas e proveitosas e cujos resultados são tão brilhantes e permanentes, que se tornam imprescindíveis à suas comunidades, mesmo depois de mortas. Seu exemplo é duradouro, extrapola a existência física e permanece para sempre na memória do povo, geração após geração. É a imortalidade a que todos devemos aspirar: a das obras.

Este é o caso do nosso ilustre homenageado de hoje, in memorian evidentemente, filho desta Campinas que tanto amamos. Referimo-nos ao legítimo "Príncipe dos Poetas Brasileiros", competente advogado e refinado e hábil jornalista, Guilherme de Andrade e Almeida. Nossa comunidade acadêmica mobiliza-se, nesta oportunidade em que recordamos, compungidos e saudosos, mais um ano sem a sua luminosa presença, para lhe render singelas, mas sinceras homenagens; como esta que a Academia Campinense de Letras, guardiã das tradições, das idéias e da literatura da cidade, presta. Quase oito décadas de vida não se resumem em uma preleção como esta, de meia hora, por maior que venha a ser o poder de síntese do orador, e nem esta é a nossa intenção.

Guilherme de Almeida foi poeta renovador, pioneiro da modernidade, profundo conhecedor da língua, sabendo lidar com maestria com as palavras através de uma técnica muito própria, caracterizada pelo ritmo no sentir, no pensar e no dizer, conforme assinalam os mais renomados críticos literários, que jamais encontraram reparos em sua perene e copiosa obra.

Seu credo artístico, expressado em uma crônica publicada em 1959, no jornal "O Estado de São Paulo", diz muito da sua ambição artística, que foi conquistada: sensibilizar os leitores, os induzindo à reflexão, ao sentimento e à contemplação, sem reservas, da beleza. Diz o poeta, no referido texto: "Se a gente soubesse dar, com convicção, a certas coisas da vida o caráter de 'último', todas as coisas tornar-se-iam de uma inefável excelência". Você soube, mestre inesquecível, imprimir às suas observações do mundo essa característica de ultimidade, de raridade, de precariedade e de imenso valor.

Exemplo? Teríamos milhares a mencionar, entre as centenas de seus poemas, publicados em grande quantidade de livros com que nos brindou. Mas, apenas para ficarmos no concreto, escolhemos, aleatoriamente, estes versos que Guilherme de Almeida intitulou de "Eco":

O que a vida quer é repercussão.
Há paredões e cavernas,
há membranas e bojos,
há ocos e superfícies,
nos caminhos divergentes.
O grito salta da boca,
bate, volta e coincide.

Perguntas que fiz,
nomes que bradei,
segredos que disse,
versos e preces
que minha voz levou ---
tudo partiu e volveu
menos a única rima: "Eu".

Nascido em Campinas, em 1890, nos estertores do século XIX, Guilherme de Almeida fez seus primeiros estudos nesta cidade. Já então, com muita precocidade, mostrava as virtudes que o iriam caracterizar vida afora, como ousadia, probidade, liderança, participação, solidariedade, patriotismo e, sobretudo, uma imensa capacidade de captar, e comunicar mediante este instrumento fragílimo, que é a palavra, a beleza.

Formou-se advogado, em 1912, aos 22 anos, na tradicional Faculdade de Direito de São Paulo, do Largo de São Francisco. Contudo, o exercício de uma única atividade era pouco para um espírito tão ativo e inquieto. Junto com a prática jurídica, Guilherme de Almeida abraçou, com entusiasmo e vigor, esse sacerdócio, que é o jornalismo, que na ocasião contava com eminentes profissionais, parte dos quais terminou eleita para a Academia Brasileira de Letras, se consagrando como escritores.

Na imprensa diária, iniciou-se como crítico de cinema, ousadia para aquele tempo. A Sétima Arte mal esboçava os seus primeiros passos, antes de se impor no que é hoje. O cinema, então, ainda era mudo. O jovem jornalista conquistou os leitores com suas análises precisas, meticulosas, inteligentes e, sobretudo, pertinentes, expressadas em texto elegante e impecável. Na mesma ocasião, Guilherme de Almeida também escrevia crônica social, não se limitando a enfocar as festas e recepções da tradicional sociedade paulistana quatrocentona, mas cobrindo exposições de pintura e escultura, representações de peças teatrais, recitais e apresentações de óperas e, principalmente, lançamentos de livros.

Impôs-se no jornalismo, em uma época em que vencer nessa profissão era façanha das mais árduas, dada a concorrência. Abundavam talentos na imprensa paulista, tanto na Capital, quanto no Interior. Guilherme de Almeida foi redator e diretor de diversos jornais paulistanos, dos mais respeitados e tradicionais, inclusive de "O Estado de São Paulo". No hoje centenário "Estadão", cujas raízes, ressalte-se, são campineiras, assinou, por várias décadas, praticamente até a sua morte, ocorrida em julho de 1969, a excepcional e singular coluna de crônicas com este título poético e totalmente original, em se tratando de jornalismo diário: "Eco ao Longo dos Meus Passos".

Em 1932, inconformado com o desrespeito à Constituição, por parte da ditadura de Getúlio Vargas, mesmo sendo um pacifista, alma dócil e amável, amante do diálogo e apóstolo da razão, não teve dúvidas, ao ver a Pátria profanada pela tirania, em pegar em armas. na defesa da lei e da justiça, no memorável episódio protagonizado pela gente paulista, que foi a Revolução Constitucionalista. E que não se diga que essa atitude se tratou de eventual e irrefletido arroubo juvenil. Foi uma decisão madura, patriótica, altruística, do mais alto significado cívico. Finda a Revolução, teve que amargar o exílio da Pátria, em Portugal.

De regresso ao País, presidiu a Associação Paulista de Imprensa, de 1937 a 1939. Foi o presidente da Comissão do IV Centenário da Fundação de São Paulo, em 1954 e 1955. Em 1959, em concurso instituído pelo jornal "Correio da Manhã", do Rio de Janeiro, foi eleito pela população, por voto direto e democrático, "Príncipe dos Poetas Brasileiros". Guilherme de Almeida foi membro da Academia Paulista de Letras. Mais do que isso, representou condignamente a arte e a cultura de Campinas e do Estado de São Paulo num plano maior, de âmbito nacional, na casa fundada por Machado de Assis, no Rio de Janeiro. Mas não se limitou a ser mero integrante dessa instituição.

Eleito em 1930 para a Academia Brasileira de Letras, teve atuação das mais profícuas e dinâmicas nos 39 anos que lá permaneceu. Em 1960, como um dos oradores oficiais da inauguração dessa ciclópica obra, que simboliza a operosidade, o arrojo, a imaginação e o talento dos brasileiros, que é a magnífica cidade de Brasília, leu o poema que havia escrito especialmente para aquela oportunidade, e que hoje é uma das mais preciosas relíquias para a população brasiliense.

Sua magnífica e marcante carreira literária teve início em 1917, com a publicação do livro "Nós". Para a satisfação dos seus ávidos e fiéis leitores, dezenas de outros viriam a ser publicados, para o nosso deleite e gáudio. Entre eles podemos citar: "Livro de Horas de Soror Dolorosa", "Era uma Vez", "Você", "A Dança das Horas", "Messidor", "A Flauta que eu Perdi", "Meu", "Raça", "A Flor que foi um Homem", "Encantamento", "Simplicidade", "Carta a Minha Noiva", "Poemas Escolhidos", "Carta ao Meu Amor", "Acalanto de Bartira", "Pequeno Romanceiro" e "Rua", entre outros. Parte da sua copiosa e extraordinária obra foi reunida em uma coleção de sete volumes, intitulada "Toda a Poesia de Guilherme de Almeida", publicada em 1952. Importantíssima, também, foi a sua contribuição como tradutor de Charles Baudelaire, de T. S. Eliott e tantos outros grandes poetas do nosso tempo.

A melhor forma de homenagearmos esta reverenciável personalidade é buscarmos seguir os rastros que deixou ao longo de profícua e produtiva vida. É imitarmos a sua conduta. É sermos crentes inabaláveis nos grandiosos destinos da Pátria e trabalharmos incansavelmente, enquanto nos restar um sopro de alento, para concretizar esse elevado ideal. É cumprirmos o papel de sermos enfáticos e inextingüiveis ecos de criatividade e harmonia ao longo dos passos infinitos de Guilherme de Almeida”.


Boa leitura.

O Editor.



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Um comentário:

  1. Vibrei com a coerência e convicção do homenageado de pegar em armas, e ainda, em relação ao poema escolhido por você, Pedro, pensei no altruismo de Guilherme de Almeida de dizer que tudo tem ecos, exceto o "eu". Seria isso mesmo?

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